O Passado Nas Mãos
Todo bom relógio é um círculo. Uma
antiquíssima convenção dos homens interpreta o movimento dos ponteiros como na
direção do amanhã. Outra, contemporânea, disfarça a sempre volta ao começo através de mostradores digitais. Mas o carrossel é imponderável, gira, roda em
motocontínuo. Aí, alguém na beira da calçada grita do outro lado da rua pedindo
para definir o passado. O que é o passado? Qual o sentido dele: algo é passado ou
o passado é alguma coisa? Ao contrário, ele vem de algum lugar ou nós é que
levamos as coisas até ele? A Filosofia brada tanto quanto, na tentativa de
auxílio, quase uma ambulância epistemológica. Desnudo meu raciocínio, teso,
penso que se algo fosse passado, nós seríamos coveiros, enterrando o que bem entendêssemos, tipo "isso aqui já era".
Ou, se o passado fosse alguma coisa, seríamos jardineiros, podando ou ignorando o que já
está sepultado, feito "já acabou aquilo lá". Nem A nem B, ele mais parece sucumbir diante da reativação da circulação sanguínea, pressão arterial e batimentos cardíacos junto com outros sinais de modificações orgânicas, como a transpiração por exemplo; do que emergir pelos sintomas lúgubres do córtex memorial na pradaria dos parnasianos hipocampos, os jardins da paz. O homem em sua complexa lida com a terra, não percebe que o passado é nada mais do que a segunda maior entre as convenções humanas - só perde para a invenção do amor - espécie de paliativo contra toda e qualquer indefinição existencial. Atribuindo passado aos nossos revezes, incertezas ou frustrações ainda extemporaneamente pendentes de conscientização, é como se estivéssemos prescrevendo chá de camomila ou Quadriderm para nós mesmos, algo tão démodé quanto inócuo. Pior, o homem não entende que o passado não existe quando há
pulso no antebraço. Tenho algo nas mãos. Olho, toco, sinto, é uma coisa ubíqua. Rogo ao Universo, que eu nunca venha a concluir que perdi todo esse
tempo longe dela...
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