terça-feira, 7 de junho de 2016

Contos Marinst



O Faroleiro 
Seu destino não fora contemplado pela sorte, coisa que não existe. Viu passar ao largo de sua história, muitas outras coisas inexistentes. Mas como se vê algo que não existe? Simplesmente, não se vendo. Viu que havia a dor, sem tê-la visto. Viu que não houve amor, sem tê-lo visto. O não avistamento, é uma espécie de visão de varredura, de longo alcance, integral. Tudo isso, sem procurar, apenas com suficiente atenção ao redor. É difícil acompanhar a narrativa daquele homem, complexa demais para quem tem uma vida normal, quadradinha, no conforto da casinha urbana, fã de leitura palatável, best-seller mastigado. Mas seu ar era marinho. Respirava em profundidade, complexa pelos seus contextos. Ela revela coisas abissais, ao mesmo tempo em que boia nas distantes superfícies. Oscila, entre todo o comprimento de todas as ondas, nas mais diversas direções, indo além até o leito, ou o recife, ou a plataforma. Talude também. Não era intelectual, faltaram-lhe tantos autores, músicos, diretores, escritores, artistas. Foi numa morada de fundos que encerrou seu ciclo de coincidências bastardas. Estas sim, existiram à revelia da falta de promiscuidade relacional. Não se entregou às diferenças, repeliu as indiferenças. Não se atirou à carne, evitou sangue maturado. Também não se lançou à prosperidade, detestava ambições. Concluiu que a vida era muito mais simples do que os seus sonhos modestos. Desperto, sua luz iluminava o pouco que havia, além de mostrar tudo o que não havia. Quando olhou no relógio, era tarde da noite, já não dava mais para desfrutar dessa tal felicidade. Já não dava mais para ver a lua; sem lua, o mar parece não existir. Já não dava mais para amar; sem amor, o mar deixa de ser mera coincidência...   


 "What's Left To Say" - Ulli Boegershausen 



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