O Faroleiro
Seu destino não fora contemplado pela sorte, coisa que não
existe. Viu passar ao largo de sua história, muitas outras coisas inexistentes.
Mas como se vê algo que não existe? Simplesmente, não se vendo. Viu que havia a
dor, sem tê-la visto. Viu que não houve amor, sem tê-lo visto. O não
avistamento, é uma espécie de visão de varredura, de longo alcance, integral.
Tudo isso, sem procurar, apenas com suficiente atenção ao redor. É difícil
acompanhar a narrativa daquele homem, complexa demais para quem tem uma vida
normal, quadradinha, no conforto da casinha urbana, fã de leitura palatável, best-seller mastigado. Mas
seu ar era marinho. Respirava em profundidade, complexa pelos seus contextos.
Ela revela coisas abissais, ao mesmo tempo em que boia nas distantes
superfícies. Oscila, entre todo o comprimento de todas as ondas, nas mais diversas direções, indo além até o leito,
ou o recife, ou a plataforma. Talude também. Não era intelectual, faltaram-lhe
tantos autores, músicos, diretores, escritores, artistas. Foi numa morada de fundos que
encerrou seu ciclo de coincidências bastardas. Estas sim, existiram à revelia
da falta de promiscuidade relacional. Não se entregou às diferenças, repeliu as
indiferenças. Não se atirou à carne, evitou sangue maturado. Também não se
lançou à prosperidade, detestava ambições. Concluiu que a vida era muito mais
simples do que os seus sonhos modestos. Desperto, sua luz iluminava o pouco que
havia, além de mostrar tudo o que não havia. Quando olhou no relógio, era tarde
da noite, já não dava mais para desfrutar dessa tal felicidade. Já não dava
mais para ver a lua; sem lua, o mar parece não existir. Já não dava mais para
amar; sem amor, o mar deixa de ser mera coincidência...
"What's Left To Say" - Ulli Boegershausen
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