"Quiet" - John Mayer
REALIDADE
CIENTÍFICA
O Túnel. E
eu não sabia que ele era convergente. Um funil que se estreita ao longo do
tempo, com a boca da vida voltada para frente ou para baixo, uma ampulheta sem reverso, grãos
de areia representando as pessoas que conheci. Um só sentido, a luz final. No
caminho, os grãos vão ficando para trás ou para cima, alguns caem do beiral que
fica logo às costas dos meus dias. Meu passado é pequeno demais, não permanece
no recipiente existencial, deixo quase tudo pelo sinuoso trajeto de mim. Hoje
me perguntei se eu faria diferente, caso soubesse que era assim. De pronto,
respondi que não, pois nem foi preciso refletir um pouco. De nada adiantaria
mudar conduta contra o destino pré-concebido, sem adivinhações. Reparava sim,
mas não com a atenção necessária que pudesse me fazer concluir que meus dias
seriam cada vez menos demográficos, escassez relacional. Em poucas
oportunidades, aconteceu como se eu fosse um punhado de café e então a água
quente enchia o filtro, fazendo-me iludir que era gente chegando para ficar. Águas
passam tal como a chuva que cai ao longe e não molha, não germina, não floresce
por aqui. E após algumas décadas, reconheço a confluência do vitral. As paredes
são transparentes, sempre vejo o mundo lá fora, mas sem lamentar o meu devir
aqui dentro, aqui dentro de mim e ao meu redor. Muita tese para pouca
disponibilidade. Muita teoria para quase nenhuma identidade, doutrina extra para
afinidade zero. À minha maneira, esta foi a minha passagem por mim. Vi tantas
coisas lindas, ao largo. Tanta beleza, distante. Mas, eu vi. Ninguém me contou
que havia. Eu não me limitei aos que escreveram sobre isso, eu fui lá e quase senti. Organismo preso na
matéria, disparei meu nômade espírito pelos mais diversos confins do
pensamento, pelos mais recônditos becos da imaginação, pelas fossas mais virginais da minha consciência, pelos menos explorados rincões
do meu coração. A plataforma era rasa, o talude também, a planície e o final nas Marianas:
eu, mergulhei. Talvez por isso, tenha restado sozinho, ninguém veio junto, nem comigo. A modernidade é mesmo tardia, preocupa-se somente com o nível das linhas d’água. E
de tão oposto ao superficialismo, ao imediatismo e ao obsoleto, eu ascendi
vertiginosamente em queda livre em direção ao oco do meu mundo. Meus braços
fortes, sustentam as paredes do túnel. Com as pernas, vou andando sem parar
para hesitar. Parece que ao aproximar-me dali, quanto mais eu sinto a resistência do meu corpo, mais
estou saindo dele, a abandoná-lo como se eu tivesse um exoesqueleto. Sábia natureza,
há quase ninguém perto de mim, hoje. Mas era o único Túnel que eu tinha para seguir. Nele, reconheci que aquele quase sentir, já me bastou como felicidade...
Nenhum comentário:
Postar um comentário