Quatro comprimidos mais duas cápsulas na mão esquerda. Um pouco
de água mineral no copo que foi de requeijão um dia. Assim começaria mais uma
jornada noturna de vigília, naquela outra segunda-feira insone. A madrugada
semanal mais deserta da cidade, e o quarto se enchia de luz apagada. Noite em
que toda atividade será castigada, roubou do dramaturgo e adaptou ao seu
calvário estelar. Como se pudéssemos dormir ou ficar acordados da cama olhando
os astros e seus acessórios no breu do firmamento, sem nenhum empecilho. Fora
de ordem, os edifícios, as cortinas, as árvores e as nuvens se revezam em
obstáculos do tempo e no espaço. Tudo desligado, menos o seu forte metabolismo.
Corpo estendido na horizontal sob a fina coberta, aguardava alguns minutos para
ficar de lado. Preferia o coração para baixo, embora ouvira no rádio que assim,
para a esquerda, havia mais pressão sobre aquele ainda ingênuo órgão, como se
estivesse sobrecarregando-o, então um prejuízo à saúde. Ingênuo por não ter
dito à sua última amada, que ela o fizera desacreditar no amor em definitivo:
ela nem merecia saber disso, mas ele deveria ter falado. Entretanto, era o inverso:
isso vale para o estômago, oposto no abdome, devendo ficar para a direita
evitando complicar digestão. Caso se virasse assim, estaria voltado para a
janela. O terceiro blackout mais barato dentre cinco trazia uma translucidez poética àquele
ambiente do quarto. Silêncio quebrado pelos uivos de uns cães vizinhos que necessitam
chamar a atenção feito alarme de presença, mesmo que seja um gato, uma folha ou
até um viralata no exercício de sua liberdade, ainda que não plena. Não, porque
o animal não tem consciência disso, muitos de nós também não temos: chamamos
nossos nós de laços, para fugir um pouco do cárcere real que são nossos
relacionamentos. Em fase REM permanente, os olhos cerrados acendiam a visão de
seu consciente, compensando o martírio de ficar acordado até o amanhecer. Via o
que não observava de dia. Percebia o que não sentia, e reconhecia que ninguém
mais viria. Contribuiu significativamente para que o universo ao seu redor fosse
um imenso buraco negro. Renegou sóis, ignorou luares, desprezou estrelas.
Portanto, tudo era vazio e amorfo e infinito. Ou inodoro, incolor e insípido.
Via que sua vida era mesmo assim. E a cada noite de segunda-feira que cruzava,
aumentava sua certeza de não precisar mais nada saber, de não ter que aprender
mais alguma coisa. Sendo assim, qual o sentido desta aula extra? Reconhecer a
existência pedagógica do calendário, é mesmo para poucos. Cruzar madrugadas, é
algo a ver com docência. Um mestre invisível, a nos ensinar o que pensamos já saber, ou teimamos em
deixar para as próximas manhãs. As cápsulas acabaram, é preciso comprar
mais...
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