segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

FICÇÃO Empírica


Se eu não fosse quem eu sou. Eu não seria assim, obviamente. Mas o que não se clareia, é como eu seria. Essa impossibilidade, ficção que nem paralela é de tão fora do plano real, afasta compulsoriamente as especulações, os devaneios, o absurdo de imaginar ser o que não se é. Feito exceção, me permito elucubrar – por um instante – para ver até onde eu iria. Primeiro, preciso de um apoio verdadeiro como exemplo de condução, instrumento para chegar até algum lugar longe do possível: você.  Pronto, já não sou mais eu. Rompi vínculo com a vida presente, lancei-me em pensamento vestido nas asas da imaginação. Sim, eu lhe desejaria. Vi em você algumas coisas que me aproximariam, caso eu não fosse eu. Mas como hipoteticamente já não sou, esqueço isso. Seus gostos, nossa identidade; sua simplicidade, nossa calmaria. A música do mundo e a nossa poesia. Morreram a distância e os anos. Eles já não são empecilho, posso lhe desejar. Se nosso encontro se transformará em amor, não é necessário saber, há disposição em somar, sem se preocupar no que vai dar. Um abraço, tantos beijos, e o sexo.  E tudo isso de novo, em meio a muita conversa, passeios, comidas e aventuras. Sorrisos e lágrimas, gestos e sonhos e sensações. Um emaranhado de formas de convivência que seguiria livre como uma fita no céu. Mas no céu há o vento. A ausência da chuva. E eu não pude brotar em mim, a companhia. É o fim do texto, do poema, do imaginário, eu voltei. Menos de duas dezenas de linhas, durou meu delírio. Isso, explica minha cordilheira de pedras junto ao mar. Não estou aquém delas, eu sou as próprias minerais em sentido nato, muito mais que figurado. Isso é para que você sinta, que eu não vim a este mundo para amar, tampouco para ser amado. Por isso, a fita corre terrena entre meus dedos, meu céu é vazio. Não sinto fogo além das minhas palavras, áridas por chuva que jamais virá. Em meu ofício de viver, não compus os quatro elementos básicos da felicidade, sobrevivo apenas um: a escrita, a terra. E é nestas frases que eu deixo-lhe uma cor de certeza, afirmando que há em você o que não nasceu em mim: o potencial para amar. Longe da lógica de mercado, das livrarias e dos espectadores, resto em meu canto criando a minha solidão. Esta, a minha conhecida, colega, amiga, namorada, esposa, amante e desconhecida, tudo ao mesmo tempo. A ela devo favores, posto que é companhia. Mas o compromisso, não é com ela, é comigo mesmo. Prefiro o silêncio da solidão, do que do que o calar de quem algum dia já foi voz para mim. Olho para o céu, vi rastros de que estive por lá. É porque voltei rapidamente, antes da lágrima que demorou-se no azul à espreita da utopia de um amor inexistente: aquele que não mora em mim... 

 Ribbon In The Sky - Stevie Wonder 
 original tape 



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