quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Chovendo no Ensaio




Contos 
Barcas que navegam a esmo 
Todos fúteis porque não conduzem 
As pessoas frágeis que se deixam levar... 
Poesias 
Canoas que se lançam às águas 
Todas importantes por resistirem 
Às correntezas que pretendem afundar.. 


E como chamar o mar 
Com essa voz de cidade 
Grãos de areia na garganta 
Que na verdade são poeira 
Pois as ondas não chegam 
A banhar-me o corpo 
Mudo, 
    De sobreviver a seco... 


O pior dos silêncios 
É o que emudece a palavra escrita 
É feito o silêncio da morte 
Ou o fim da voz na vida.. 


Sinto falta da areia nos pés 
Água nas mãos, sal na pele 
Ondas nos olhos, 
Brisa nos pulmões 
Escutar o quebra-mar 
Mas não me lembro do gosto de ninguém.. 


Como é difícil limpar o sangue do chão 
Enquanto as lágrimas,  
    São removidas facilmente da face 
Não gravei os sorrisos 
Eles se foram nas mãos do vento.. 


Palavras doces 
Neste mundo amargo 
O que seria sobremesa 
É prato principal.. 


Viajas 
Apenas para fugires de ti 
E encontrar-te noutro lugar.. 


Da madeira que era árvore 
Fiz portão 
Que o tempo empenou 
Imagine o que ele faz com a gente 
Tão frágil desde a semente... 


Palhaços comparam amores 
Evitando se comparar a si mesmos, 
No curso do tempo.. 
Fizessem isso 
Não estariam na plateia da vida.. 


Alguém tem sonhos sujos? 
Ou todos os sonhos são lindos? 
Se são, 
Como são os desejos limpos, 
Antes de serem sonhados? 
De onde vem um sonho, 
Se o nada não pode ser limpo 
Nem sujo, nem belo ou lindo.. 
Noções de engenharia, por favor... 


Chora o dia 
Lava a natureza 
Sobra questão 
Por que razão 
A chuva não leva 
O que não quero em mim.. 


Ouço a chuva 
Algo está sendo dito 
Vejo o que não se mostra 
Está atrás do céu 
Atrás dos meus sentidos 
E eu não sei chover 
Pra chegar na frente das coisas... 


Sem colo 
Deito na tarde muda 
E o som da chuva 
É a música do coração 
O vento abraça 
Não é frio 
É o contrário 
Porque é abraço.. 


Chuva não tem ritmo 
Faz compasso 
Porque molha o coração 
Acerta o passo 
Acompanhando o bordão 
Sem esperar pelo sol final 
Só morre aquela chuva 
Que empurrou aquele coração.. 


Dentro do armário da cozinha 
Tudo era par 
Xícaras, copos, pratos 
Lá fora, uma vida ímpar 
Cá dentro, 
A sua resistência... 


Espaço duplo entre as poesias 
Respeito aqui 
As distâncias que não consigo lá fora.. 


A não adaptação ao mundo exterior 
Encaixa-te cada vez mais dentro de ti. 


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Coias do Brasil


A esperança é 
    uma criança que mora em nosso porão 
E o sábio, lá do ático, 
    vai transformando-a em perspectiva. 
juventudes sempre soltas no jardim, 
aguardando adultos, chamarem da sacada... 



"Caçador de Mim" /  Magrão & Sá
 - 14 Bis




segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

FICÇÃO Empírica


Se eu não fosse quem eu sou. Eu não seria assim, obviamente. Mas o que não se clareia, é como eu seria. Essa impossibilidade, ficção que nem paralela é de tão fora do plano real, afasta compulsoriamente as especulações, os devaneios, o absurdo de imaginar ser o que não se é. Feito exceção, me permito elucubrar – por um instante – para ver até onde eu iria. Primeiro, preciso de um apoio verdadeiro como exemplo de condução, instrumento para chegar até algum lugar longe do possível: você.  Pronto, já não sou mais eu. Rompi vínculo com a vida presente, lancei-me em pensamento vestido nas asas da imaginação. Sim, eu lhe desejaria. Vi em você algumas coisas que me aproximariam, caso eu não fosse eu. Mas como hipoteticamente já não sou, esqueço isso. Seus gostos, nossa identidade; sua simplicidade, nossa calmaria. A música do mundo e a nossa poesia. Morreram a distância e os anos. Eles já não são empecilho, posso lhe desejar. Se nosso encontro se transformará em amor, não é necessário saber, há disposição em somar, sem se preocupar no que vai dar. Um abraço, tantos beijos, e o sexo.  E tudo isso de novo, em meio a muita conversa, passeios, comidas e aventuras. Sorrisos e lágrimas, gestos e sonhos e sensações. Um emaranhado de formas de convivência que seguiria livre como uma fita no céu. Mas no céu há o vento. A ausência da chuva. E eu não pude brotar em mim, a companhia. É o fim do texto, do poema, do imaginário, eu voltei. Menos de duas dezenas de linhas, durou meu delírio. Isso, explica minha cordilheira de pedras junto ao mar. Não estou aquém delas, eu sou as próprias minerais em sentido nato, muito mais que figurado. Isso é para que você sinta, que eu não vim a este mundo para amar, tampouco para ser amado. Por isso, a fita corre terrena entre meus dedos, meu céu é vazio. Não sinto fogo além das minhas palavras, áridas por chuva que jamais virá. Em meu ofício de viver, não compus os quatro elementos básicos da felicidade, sobrevivo apenas um: a escrita, a terra. E é nestas frases que eu deixo-lhe uma cor de certeza, afirmando que há em você o que não nasceu em mim: o potencial para amar. Longe da lógica de mercado, das livrarias e dos espectadores, resto em meu canto criando a minha solidão. Esta, a minha conhecida, colega, amiga, namorada, esposa, amante e desconhecida, tudo ao mesmo tempo. A ela devo favores, posto que é companhia. Mas o compromisso, não é com ela, é comigo mesmo. Prefiro o silêncio da solidão, do que do que o calar de quem algum dia já foi voz para mim. Olho para o céu, vi rastros de que estive por lá. É porque voltei rapidamente, antes da lágrima que demorou-se no azul à espreita da utopia de um amor inexistente: aquele que não mora em mim... 

 Ribbon In The Sky - Stevie Wonder 
 original tape 



domingo, 27 de dezembro de 2015

Contos Depois da História



A Última Brincadeira 

Em fim. Trinta e cinco anos se passaram desde os quinze. Tantas mudanças, transformações, caminhos, mas tem algo que continuou sempre do mesmo jeito. Mudava o próximo, não o modo de estar da coisa. Tanto que nem sei a diferença entre uma relação e um relacionamento, no estranho mundo da afetividade. Talvez eu tenha tido apenas relações, os relacionamentos são envolveres mais profundos, desses que as novelas e os filmes abriram mão, ainda constam nos livros. Relações, deveras estáticas; relacionamentos, dinâmicos, movimento. Não tive este prazer, tudo se evanescia, uma gangorra de oscilações em que nada se definia, encaminhava ou apaziguava. A surpresa, o espanto, surgidos em imediato desprazer frente a situações cotidianas, as tais condutas, comportamentos e atitudes delas. Pensamentos e valores não tardavam em vir à tona, sempre opostos aos meus. Até já me disseram que eu espero algo feito eucaristia, dó, perdão, caridade, esses negócios que as religiões inventaram para agregar sustentabilidade. Como se eu tivesse crença, seguisse dogmas, e vivesse de fé. Outras, me disseram que sem amor eu nada seria, teve até música cantando isso, doutrina. Também, aquelas que me rotularam como um ser sexual ao extremo. Lamentaram meu insucesso, não fiz fortuna nem fui celebridade, alegaram. Umas justificaram assim, outras foram embora pelo vento do silêncio. No reino das indiferenças, fui desgarrado habitante, também indo embora antes, durante e depois dos fins. Um saldo cômico de conclusão: ninguém me conheceu ao certo. Porque mais do que sorrir, mais do que dar prazer, eu só queria paz. Mas paz, é aquilo que se adquire quando se está livre. A liberdade, por sua vez, só se tem quando se está leve. Infelizmente, as belas mulheres que cruzaram meu caminho, trouxeram muita carga do seu passado. Não houve chance, não tivemos tempo, não se formou espaço. Todas, sem exceção, me interpretaram mal. Quando a gente está ao lado de alguém que nos concebe erradamente, não há mais o que fazer: já estamos do lado de fora da vida dessa pessoa. Gargalhar seria exagero, mas eu movimento meus lábios neste sentido. Descobri que a religião, é a diáspora das uniões. E que os valores, são as trilhas no deserto de cada um. A tal reciprocidade, eu jamais saberei o que significa. Hoje bem sei o que faltava aprender na minha última brincadeira: o amor, é uma diversão feita de plástico... 


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

BAR, doce BAR





-Olhe para o céu: está vendo as cinzas? 
-Não...não há nada lá! 
-Há sim, mas você não está vendo. São as cinzas do Amor. 
-Você é louco? 
-Não. É que as cinzas do Amor, são azuis. 
-Nenhuma cinza tem outra cor, que não cinza. 
-As do amor são azuis. Por isso existe o vento, para levá-las para longe de nós. 
-Então como saber se já se foram? 
-Não é preciso sabermos: por isso elas são azuis. Também porque são cinzas, nada mais adianta. 
-Confuso... 
-O fim da chama no coração, é o princípio das cinzas no céu... 
-E o que são as estrelas então? 
-São o lustroso brilho no chão do céu, já limpo pelo vento do dia... 


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Via NO Crucis




nunca escutei os sinos 
passei distante das catedrais 
abominei ritos, símbolos e doutrinas 
capelas, templos me repeliram 
evitei fiéis.. 
pois eu sempre me vi independente 
solidário, 
deixei deus do lado de fora de mim, 
a se ocupar com os outros, 
os necessitados dele 
vim só e a pé 
aqui estou 
não há mais nada à minha volta 
sequer a sensação de alguma presença 
qualquer presença 
nenhuma sensação 
e nenhum daqueles necessitados 
pra me contar como foi a ajuda 
porque eu só queria saber 
se eu já ajudei alguém um dia 
mesmo que tenha sido alguém 
que também não ficou dentro de mim... 


quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Crônica Cotidiana 28



Combo 

Uma rede multinacional de lanches rápidos, menos poderosa, quase figurante no ramo da pseudoalimentação. Águias comem ratos, aculturação e velocidade na praça daqui. No estabelecimento, pessoas que acreditam estarem ingerindo natureza no quadrante do almoço que nem hora mais é. Mas dá tempo de engolir combinações, mesmo sem a mastigação devida, afinal é assim com tudo na vida. Aguardei a infante servir-se, enquanto ‘roubava’ tudo ao redor de nossa mesa limpa por mim: personagens, genuínas, levei-as para a casa do meu pensamento. Essas moças, pobres moças, ah se soubessem o que eu escrevo. A primeira, em luta evidente contra sua silhueta arredondada, mordendo saladas num momento libertário de dieta social imposta pelos padronizados modelos do devir. Mais uns vinte quilos a menos, e ela estaria na pista sem instrumentos de pouso para aproximação do homem macho, objeto de desejo de quase toda relação possessória e vice-versa. Depois daquela mesa, um grupo de ex-estudantes modernizava-se deslizando impressões digitais em seus telemóveis, hoje parte integrante do corpo, extensão fundamental para seres de pequeno alcance. Trocavam risadas entre incursões tão descartáveis quanto o papel higiênico que faltava no banheiro: o conteúdo não era marrom, ele simplesmente não tinha cor, mas eles não saberiam disso, talvez jamais. Noutra mesa, a mãe e a filha pequena de colégio. Onde estaria o pai? Haveria um pai na história delas? Ou teria morrido, talvez fugido, quiçá sido sucumbido pela libido? A filha olhava a comida, a mãe observava atenta pela janela uma árvore lá fora, quem sabe se perguntando onde estaria a natureza de viver naquela cidade. Quando a minha terminou, alcançou-me quase metade do seu sanduíche, embrulhei e fui dar um destino diferente àquele desperdício. Um guardador de carros com um colete reluzente de listras horizontais cor de limão, estava de costas para a via, apoiado num portão arrumando o pé de sua muleta. Pedi licença e lhe perguntei se aceitava parte de um almoço. O que para alguém é resto, sobra, excesso, para alguns é tudo. Baixo, manco, uma pele que parecia outra árvore no tempo. Sem intervalo para me olhar nos olhos, estendeu a mão e pegou a oferta, foi logo levando à boca depois de um agradecimento em sussurro. Saí dali segurando lágrimas de revolta contra os poderes da República: eles não precisam da vida do cuidador, somente de seu voto. Seria melhor se ele fosse um robô, que assumisse os deveres da pessoa humana, e esta viesse a inexistir. Um robô, não precisaria dos dentes que aquele homem perdeu da boca, hoje mastigando como um bagre ribeirinho qualquer. Comentei com minha pequena sobre o mundo. Espero que ela tenha aprendido duas lições: o desperdício versus a fome, e o encabulamento versus a solidariedade. Ela percebeu que ele não sorria. Mas eu não contei que era assim durante todo o dia e em todos os dias. Enquanto o maltrapilho se arrastava para entre aspas cuidar dos automóveis, togados muito longe dali comemoravam mais um auxílio, desta vez o moradia. Não havia cães perto da loja. O cão dessa história, é o próprio mundo de uma pessoa... 


Trabalho INterno




 Que amor! 
 Que lindos aqueles dois! 
 Casal perfeito. 
 Um pro outro e este pra mais ninguém. 
 Veja como andam lado a lado, se encaixam. 
 Repare como se entreolham, se amam. 
 Tão parecidos, quase irmãos ou primos. 
 Fofos, gatos, gudes. 
 Exemplo, modelo, receita para a felicidade conjugal. 
 Enfim, a perfeição em forma de dois. 
 A vida é mesmo bela. 
 Nem precisa perguntar por que, como ou até quando... 



CURTA-metr.





terça-feira, 15 de dezembro de 2015

P A S T (I N) T E N S E



Olho para trás 
Mas já lavei os lençóis 
Não há marcas 
O que havia, 
    era um jeito de dobradura 
Mais nada... 


Meu pequeno ontem 
Era grande quando era 
Pequeno é hoje 
Tão, 
Que não se mede 
Falo no sentido cortês 
Uma metáfora para toda aquela brevidade... 


Mala vazia 
Nas costas do meu tempo 
Não adianta parar no espaço 
Não há o que tirar de dentro... 


Certo alívio, me causa 
Ter deixado o passado por terra 
Penso nos coitados 
Que não fizeram isso 
Ainda se arrastam pelo seu futuro 
De tão vazio é o seu presente... 


Sim, 
Trago histórias 
Sem protagonismo algum 
Enredos ‘noir’.. 
Intimista, 
Esqueci-me de ver a vida lá fora... 


Não há flores no jardim 
Eu afastava sementes 
Enquanto o sol insistia.. 


Repare 
Já não há mais fogo 
E por ter sido amor 
As cinzas são azuis 
Só para não serem vistas 
Dispersando-se no céu que não contemplamos.. 


A leveza do homem 
Que se liberta do seu tempo ido 
É diretamente proporcional, 
Ao peso do seu hoje, 
Ou seja, 
Do vácuo presente.. 


As hortênsias na casa da vó.. 
Eu não sabia seu nome 
Mas ficava horas olhando.. 
Hoje eu sei como se chamam 
Mas sequer me permito 
Colocá-las em minha imaginação 
As mulheres fora de minha casa.. 


Faço do que se foi 
Feito caixas de ossos em capela 
Aglutinação, 
Organização de espaço 
Não para que chegue mais 
Apenas para não trazer poeira... 


Fotos, 
Que bela consideração tenho por elas 
São minhas janelas 
Na casa hipotecada de um tempo 
Em que eu não tinha cortinas... 


Há um grande cemitério, por onde passei 
À frente, 
Desvio das maternidades 
Não é preciso que morra mais alguém para mim 
A natureza se encarrega daquele lugar.. 


Quatro cães na minha história 
Blau, 
Sissi, 
Kong e Buba 
Todos criados por um lobo 
Sem garras pra viver na selva 
Sem sonhos pra morrer na relva 
Em minha estepe, 
Não fui capaz de matilha... 


Vendo a imagem, meu peito se enche de não sei quê. Um menino loiro, bonitinho, na ingenuidade dos seus três poucos anos a colocar talvez pela vez primeira, o pé na rua. Mal sabia o que a vida lhe reservava, os caminhos que cruzaria. Uma infância cheia de estórias, mistérios, heróis e personagens, seria o prefácio de uma vida cheia de histórias, verdades, ausências e solidão. Viver, é transformar a infância em algo real. Tenho pena dos que, como eu, conseguiram fazer isso... 



segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

DISCOVERY


 "Quiet"  -  John Mayer 


 REALIDADE CIENTÍFICA 

O Túnel. E eu não sabia que ele era convergente. Um funil que se estreita ao longo do tempo, com a boca da vida voltada para frente ou para baixo, uma ampulheta sem reverso, grãos de areia representando as pessoas que conheci. Um só sentido, a luz final. No caminho, os grãos vão ficando para trás ou para cima, alguns caem do beiral que fica logo às costas dos meus dias. Meu passado é pequeno demais, não permanece no recipiente existencial, deixo quase tudo pelo sinuoso trajeto de mim. Hoje me perguntei se eu faria diferente, caso soubesse que era assim. De pronto, respondi que não, pois nem foi preciso refletir um pouco. De nada adiantaria mudar conduta contra o destino pré-concebido, sem adivinhações. Reparava sim, mas não com a atenção necessária que pudesse me fazer concluir que meus dias seriam cada vez menos demográficos, escassez relacional. Em poucas oportunidades, aconteceu como se eu fosse um punhado de café e então a água quente enchia o filtro, fazendo-me iludir que era gente chegando para ficar. Águas passam tal como a chuva que cai ao longe e não molha, não germina, não floresce por aqui. E após algumas décadas, reconheço a confluência do vitral. As paredes são transparentes, sempre vejo o mundo lá fora, mas sem lamentar o meu devir aqui dentro, aqui dentro de mim e ao meu redor. Muita tese para pouca disponibilidade. Muita teoria para quase nenhuma identidade, doutrina extra para afinidade zero. À minha maneira, esta foi a minha passagem por mim. Vi tantas coisas lindas, ao largo. Tanta beleza, distante. Mas, eu vi. Ninguém me contou que havia. Eu não me limitei aos que escreveram sobre isso, eu fui lá e quase senti. Organismo preso na matéria, disparei meu nômade espírito pelos mais diversos confins do pensamento, pelos mais recônditos becos da imaginação, pelas fossas mais virginais da minha consciência, pelos menos explorados rincões do meu coração. A plataforma era rasa, o talude também, a planície e o final nas Marianas: eu, mergulhei. Talvez por isso, tenha restado sozinho, ninguém veio junto, nem comigo. A modernidade é mesmo tardia, preocupa-se somente com o nível das linhas d’água. E de tão oposto ao superficialismo, ao imediatismo e ao obsoleto, eu ascendi vertiginosamente em queda livre em direção ao oco do meu mundo. Meus braços fortes, sustentam as paredes do túnel. Com as pernas, vou andando sem parar para hesitar. Parece que ao aproximar-me dali, quanto mais eu sinto a resistência do meu corpo, mais estou saindo dele, a abandoná-lo como se eu tivesse um exoesqueleto. Sábia natureza, há quase ninguém perto de mim, hoje. Mas era o único Túnel que eu tinha para seguir. Nele, reconheci que aquele quase sentir, já me bastou como felicidade...