quinta-feira, 27 de novembro de 2014

CONTOS ao léu dos destinos



 TAÇAS VAZIAS 

Passou a vida escrevendo sobre elas, o poeta das mulheres. E não teve nenhuma, que o amasse em plenitude, pela inconformidade delas quanto ao prazer dele. Porque na lei dos homens, não se pode distribuir carinho em forma de flores, músicas, gestos, companhia, diálogos ou palavras. A emoção tornou-se refém de um só destinatário, por causa das coisas da monogamia ocidental, invertendo a importância do afeto para um valor possessório. Além do que, esse carinho pseudo-ofertado, chegava como interesse, declaração, desejo, compromisso, justamente porque não era oferecido. Algo tão delicado, parecia feito cristais sendo transportados em caixas de isopor nos asfaltos irregulares das tortuosas estradas da América do Sul. No fim, já não eram mais cristais, apenas cacos de vidro comum que não mais reluziam, sem um mínimo formato, então ignorantes de sol, aguardando a decomposição das horas sobre o lugar. Para ele, o que importava era que nasciam cristais. Assim como a vida dos humanos, todos surgem puros e límpidos, seja no ventre ou nos caminhos, sendo com o tempo e pela ação ou omissão própria ou de muitos, transformados e reduzidos em sucata, banalidades, desamores. Pássaros novos lançados ao céu, felinos ternos à selva, tartaruguinhas ao mar...tentativas de sobrevida regidas pelo crivo da seleção natural. Por ser de caráter de natureza, a conformidade dele instalou-se no meio. Não houve tristeza, mágoa nem rancor. Apenas uma dor muda, crônica, de relampejos intermitentes pedindo mais poesia. A cada nova fêmea que cruzasse em sua vida, mas só aquela que despertasse nele uma coisa um tanto irrelevante para a maioria nos dias de hoje: a vontade de lhe fazer cafuné. E o segredo era o motivo que o levava a este desejo: a possibilidade de se estar frente a um verdadeiro universo. Um plano dimensional onde tinha tudo o que ele gostava. O cafuné, como veículo de transporte e desbravamento deste plano. Uma mulher. Como um oceano desconhecido, com ilhas paradisíacas, paisagens deslumbrantes, praias desertas, frutas deliciosas, água nascente. Depois do conhecimento, se fosse o caso mas jamais obrigatoriamente em razão do curso natural do destino, a construção e a possibilidade de viver um grande amor, a tese. Mas na antítese da vida, foram raríssimas a que ele quase encontrou assim. Quase, porque não encontrou. Para ser encontrado, ela teria de amá-lo na mesma proporção, não aconteceu. Por isso a sina chegou ao fim, por ter se conscientizado de que tudo deveria ter sido mesmo assim. Sem o mútuo encontro. Mas quando reconheceu, partiram cristais pelo vento. Não havia estradas. Só havia o vento...   


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