segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

CONTOS sem outra graça


 O CARROSSEL & A CARNE 


Você cantou, rara afinação, encostou nas oitavas com categoria. Você dançou, com discrição, encostou com maestria em todos os olhares. Você furtou a atenção, pois sem violência foi. Você bebeu, sorriu e conduziu. Fez neste sábado da música o veículo que ela pretende ser, transportando vozes para fora dos corpos chateados do descompasso cotidiano. É, ontem você foi o centro dos ecléticos pensamentos circulantes, ciranda em torno de sua fogueira ambiental. O primeiro, a olhava com proibição, impossibilidade tanta que nem imaginar conseguia, fantasia já rasgada no ateliê descolorido. O segundo, tinha a ficção da juventude, em experimentar uma mulher mais velha, tentando aprender o que ele não conseguia ensinar às suas contemporâneas, só fazendo babar dentro do próprio copo a saliva sem destino. E o terceiro, bem no fundo pensava em quebrar o protocolo do parentesco, e fazer de você a namoradinha que ele nunca teve, tão diferente daquela que ele escolhera assumidamente por conveniências e autoengano. Já o quarto, jogava sobre a mesa traços da vergonha de repetir o que acontecera entre vocês no passado de impulsos. Havia um último, que por efeito da droga decidiu aumentar a dose para não correr o risco de lhe querer, de tão verdadeiro o mundo real para ser enfrentado são, livre dela. Os outros, eles apenas cruzavam por ali, observavam por um instante e se continuavam como quem passa no bar, na vitrine ou numa prateleira qualquer. Delas, tinha uma que beirava a inveja, não física, mas sim da sua espontaneidade que ela jamais teria, nem se emprestada. Outra, juntou-se a você para compartilhar da sua alegria inimiga, obedecendo ditos populares. Você levantou e festejou uma liberdade contida por motivo particular, desses que a gente não conta nem para nós mesmos, evitando reflexões. Você passeou e se divertiu na música que saiu da minha voz abraçada com meu violão, outro violão e outras vozes também. Mas seus olhos não me disseram nada que eu quisesse saborear, não toquei na sua vontade, não trocamos cheiros. A ausência de sentidos invadiu o lugar do aniversário, limitando todas as coisas ao único propósito do entretenimento. Suas belas coxas não convidavam para outra festa, elas apenas apareceram feito automóveis no meio da noite geral. E nem quando você descruzou as suas nada inocentes pernas, abrindo-as em movimento olímpico, sua calcinha anil me pareceu como fonte. Porque depois de todos e das horas, eu concluí que não lhe olhava. Que eu nada procuro e que de nada adiantaria aquilo que vem, tudo passa e hoje mesmo se vai. Disseram-me que você gosta, e da sua boca ouvi de longe que não quer compromissos. Talvez não haja mais espaço em meu tempo para essas coisas de algumas horas em lugar privado, ao menos por enquanto. Nossa linguagem seria apenas corporal, silenciosa por calar, líquida e liquidada ao fim do último orgasmo teu ou nosso. E a grande questão é aquilo que viria depois: a obrigação de nos limparmos e irmos embora, cada qual de volta para a sua solidão semanal. Viver um presente descartável, apenas para satisfazer corpos e seus instintos básicos, algo selvagem demais para que eu quisesse contar a alguém, mesmo à título de aventura. Por isso e por todas as coisas suas, somando as coisas da vida e da morte de outras coisas, nada aconteceu. Lembrei-a antes de dormir, lavei-me do exercício e fui para a cama vazia, onde você não poderia estar. Se tivesse ocorrido, provavelmente eu teria de me esforçar muito para tentar e não conseguir extrair de você com naturalidade um outro tipo de êxtase, o da companhia. Caminhos cruzados, desta vez por uma mulher bela que não me motivou a querer conhecer suas palavras. Quem gostou muito de alguém recentemente, ainda levará um bom tempo para afastar a falta de afeto no próximo em questão, e encarar as relações sexuais como necessidade fisiológica passageira de organismos singulares de conviver, outra dimensão distante do desejo. O alcance da cantoria era muito maior do que a proximidade de seu ventre. O onanismo é um bom método para se resolver em tons de placebo, aquilo que não foi de quem se foi, para tão longe quanto já se deveria estar. Pois carinho, carinho é só para quem fica... 


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