Uma
estranha sensação chega para ficar. Então ela se transforma em algo diferente,
diferente da natureza passageira das sensações. Eu ainda não bem sei o que é,
como se chama, mas posso tentar arriscar o seu significado. Chegou pela certeza
de que nunca mais vou amar alguém. Havia uma determinada anunciação, revelada
ao longo do tempo, e meu aprendizado só reconheceu agora, depois da
consciência, o tal amadurecimento. Ela mostrou-se na semelhança entre os meus amores últimos, talvez todos. Todos
em calmaria, em silêncio, sem melodia, sem compasso. Barcos navegando ao ritmo
das correntezas, sem interferência humana para dar-lhes rumo norte ou até mesmo
um sensato retorno ao cais. Alto mar, alta indiferença, baixa expectativa, nula
perspectiva. Interessante coincidência, a qual parece num primeiro momento estar
ligada em uma causa minha. Antes mesmo do segundo instante, isso se desfaz quando
eu olho para trás e vejo meus movimentos, sempre na direção do sol, guiado pelas
estrelas. Portanto, ninguém poderia dizer que eu não tentei navegar. Mas elas, elas
foram renitentes. Vieram junto, outras não, mas todas praticamente ausentes de
palavras. Decerto porque eu tinha muitas, frases, então uma carga excessiva
poderia ter-nos naufragado. Mas não foi este o motivo dos afundamentos. Foi a
minha inquieta alma que não admitia uma solidão a dois. Um coração, que por
vezes acabou rompendo as celas da razão para alcançar a vida lá fora, um pouco
de luz e água para o espírito trancafiado pelo relacionamento atravessado em bemol. Descoberto este ponto
em comum que estabeleceu esta sina, é hora de interpretar o novo: não haverá
outro amor. Um pedaço de mim, amputado sem regeneração, me impede de
desenvolver um segundo suspiro, quando frente a uma mulher interessante. Concluo
isto, mas também que ela pode ser interessante para os outros, não mais para mim. Já não
foi uma vez que isto aconteceu, são as tais chances que a ignorância popular
fala aos quatro ventos da história. Então essa coisa nova que há em mim, está
com jeito de ser. Trouxe-me altivez, racionalidade, ciência e frieza necessária
para cada enfrentamento. Digo assim, pois a sociedade cobra elos, paralelamente
rejeitando argolas ímpares. E neste cardinal solitário eu vou me conhecendo, até
o que eu não esperava de mim mesmo. É muito bom viver assim. Hoje eu corro
livre pelos meus campos, apreciando a minha natureza, cuja paisagem é soberana
de letras. Eu as encontro, como quem colhe flores, como quem mergulha nas águas
ou transpõe uma montanha. Como quem saboreia uma fruta suculenta. É certo que
os meus dias outonais não são tão límpidos, mas as minhas madrugadas são
ensolaradas feito primavera. E a cada encontro meu, descubro nova informação,
que por sua vez traduz este novo sentimento, deixando-me mais perto da verdade. Quando
afasta-se todo risco de amor, aproxima-se de uma espécie de fim. Quem sabe é ou já foi o
fim das ilusões, dos desapontamentos, das frustrações e das (in)diferenças. Neste começo
de alegria, humor, tranquilidade e paz. Um outro mundo, uma outra concepção de
beleza, uma vida já além das perspectivas. Um tempo de sons, gestos, sabores, aromas,
tatos, uma vida com sentidos. Não preciso me preocupar em arranjar um nome para
isso. Basta que eu continue sorvendo essa tal liberdade. Quem sabe seja ela, a
rima daquilo que eu ainda não consigo denominar...
"Novo Tempo" / Ivan Lins
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