terça-feira, 2 de dezembro de 2014

FORMATO in FINITO




Uma estranha sensação chega para ficar. Então ela se transforma em algo diferente, diferente da natureza passageira das sensações. Eu ainda não bem sei o que é, como se chama, mas posso tentar arriscar o seu significado. Chegou pela certeza de que nunca mais vou amar alguém. Havia uma determinada anunciação, revelada ao longo do tempo, e meu aprendizado só reconheceu agora, depois da consciência, o tal amadurecimento. Ela mostrou-se na semelhança entre os meus amores últimos, talvez todos. Todos em calmaria, em silêncio, sem melodia, sem compasso. Barcos navegando ao ritmo das correntezas, sem interferência humana para dar-lhes rumo norte ou até mesmo um sensato retorno ao cais. Alto mar, alta indiferença, baixa expectativa, nula perspectiva. Interessante coincidência, a qual parece num primeiro momento estar ligada em uma causa minha. Antes mesmo do segundo instante, isso se desfaz quando eu olho para trás e vejo meus movimentos, sempre na direção do sol, guiado pelas estrelas. Portanto, ninguém poderia dizer que eu não tentei navegar. Mas elas, elas foram renitentes. Vieram junto, outras não, mas todas praticamente ausentes de palavras. Decerto porque eu tinha muitas, frases, então uma carga excessiva poderia ter-nos naufragado. Mas não foi este o motivo dos afundamentos. Foi a minha inquieta alma que não admitia uma solidão a dois. Um coração, que por vezes acabou rompendo as celas da razão para alcançar a vida lá fora, um pouco de luz e água para o espírito trancafiado pelo relacionamento atravessado em bemol. Descoberto este ponto em comum que estabeleceu esta sina, é hora de interpretar o novo: não haverá outro amor. Um pedaço de mim, amputado sem regeneração, me impede de desenvolver um segundo suspiro, quando frente a uma mulher interessante. Concluo isto, mas também que ela pode ser interessante para os outros, não mais para mim. Já não foi uma vez que isto aconteceu, são as tais chances que a ignorância popular fala aos quatro ventos da história. Então essa coisa nova que há em mim, está com jeito de ser. Trouxe-me altivez, racionalidade, ciência e frieza necessária para cada enfrentamento. Digo assim, pois a sociedade cobra elos, paralelamente rejeitando argolas ímpares. E neste cardinal solitário eu vou me conhecendo, até o que eu não esperava de mim mesmo. É muito bom viver assim. Hoje eu corro livre pelos meus campos, apreciando a minha natureza, cuja paisagem é soberana de letras. Eu as encontro, como quem colhe flores, como quem mergulha nas águas ou transpõe uma montanha. Como quem saboreia uma fruta suculenta. É certo que os meus dias outonais não são tão límpidos, mas as minhas madrugadas são ensolaradas feito primavera. E a cada encontro meu, descubro nova informação, que por sua vez traduz este novo sentimento, deixando-me mais perto da verdade. Quando afasta-se todo risco de amor, aproxima-se de uma espécie de fim. Quem sabe é ou já foi o fim das ilusões, dos desapontamentos, das frustrações e das (in)diferenças. Neste começo de alegria, humor, tranquilidade e paz. Um outro mundo, uma outra concepção de beleza, uma vida já além das perspectivas. Um tempo de sons, gestos, sabores, aromas, tatos, uma vida com sentidos. Não preciso me preocupar em arranjar um nome para isso. Basta que eu continue sorvendo essa tal liberdade. Quem sabe seja ela, a rima daquilo que eu ainda não consigo denominar...


 "Novo Tempo"  /  Ivan Lins 


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