- Pois bem. Diga-me o
que é que há.
- Solidão, dr. Eu já
não aguento mais, é muito tempo de solidão.
- Mas que tipo de
solidão você vive?
- Ué, tem essa coisa
de tipos de solidão?
- Sim, existem quatro
variantes de solidão.
- Quais são? Eu nem
imaginava isso...
- A primeira, é a
solidão que se sente por ausência de um determinado alguém. A segunda, é a
solidão que se sente pela falta de qualquer um. A terceira, é a solidão que se sente
pela distância de você mesma. E a última, é a solidão que se sente pela sua
estranheza em relação à coletividade. Qual é a sua?
- Hum...sei não. É um
pouco da primeira, tenho saudade de um tempo com uma pessoa especial. Mas às
vezes é também a segunda, pelos momentos que passo sozinha, sem conversar com
ninguém. Cabe ainda a terceira, porque nestes momentos eu choro muito, pois não
consigo me encontrar. Mas a última...pode ser , é difícil achar quem me compreenda e principalmente porque vejo tanta gente junto
feliz por aí, só eu que não...
- Se você tem mais de
uma dessas, é porque não é solidão. Mesmo que seja apenas um pouco de cada uma,
ou de mais de uma. Isso porque uma anula a outra, o ser humano é muito pequeno
para ter mais de uma solidão, não cabe. Veja sim, quanta gente cabe em você:
aquela pessoa especial, todos os outros conhecidos que não estão por perto,
todos os casais que você vê juntos...
- Mas o dr pulou a
terceira solidão.
- Sim, pois nos
outros tipos, prova-se que você tem bastante gente em sua vida, podia não haver
ninguém.
- E no terceiro?
- Você pode estar
distante de si mesma. Mas poderia ser pior: você não ter como se buscar aí
dentro. Não ter para onde ir...
- Então o sr quer
dizer que eu não sofro de solidão?
- Sim. A solidão não
traz sofrimento. O que faz sofrer, é apenas a imaginação. É uma questão de
redirecionar o pensamento. Pense nisso.
- Mas se eu pensar,
imaginar, então eu acabo sofrendo.
- Basta que você pare
de pensar. Saia para a vida, vá lá fora. Tome sol, chuva, ônibus, carona, café.
Tome água, chás, sucos, vitaminas. Tome invertidas, poeira, esbarrões, na cara,
vergonha. Tome ar! Mas tome alguma coisa. Algo que não venha de você, que parta
lá de fora, de qualquer lugar.
- Mas e o meu mundo
interno, onde fica, o que fazer dele?
- Seu mundo interno
será mundo só quando você dividi-lo. Não necessariamente com outra pessoa, mas
sim no espaço: viva o seu mundo interno, também fora de sua casa. Você não tem
problemas com o tempo, é apenas uma questão de espaço.
- E se a solidão for
junto comigo lá para fora?
- Apresente-a a
alguém.
- Para quê?
- Para que ela morra
um pouco a cada olhar. A cada voz, sabor, cheiro, tato. A cada passeio, cinema,
bar, teatro, dança. Aniversário, festa, parque, exposição, jogo. Rio, praia,
campo, livro, música. Baile, circo, feira, lanche, gole. Nuvem, paisagem, árvore,
cor, flor. Pássaro, cão, zoo, inseto, gente. Arrepio, cócega, suspiro,
dor, tesão. Salão, loja, academia, suor, sexo. Há incontáveis grupos de cinco
sentidos por aí. Não importando se você esteja acompanhada ou não. Quando vir,
de tanto viver, ela já não mais estará ao seu redor.
- Isso é
mágica?
- Não, é a penas a
sua missão.
- Qual?
- Viver a sua beleza.
Mais nada. Se beleza fosse estoque, não haveria prateleiras nos
supermercados...
- Mas eu pensei que a
minha beleza fosse um tesouro. Então eu queria dá-la para alguém guardar.
- Aí deixará de ser
tesouro, para ser mero objeto. De nada adianta alguém ser belo, maravilhoso,
solar, se restar inerte e noturno atrás da alguma montanha.
- Tem razão. O que
devo fazer então?
- Comece a amanhecer...
Nenhum comentário:
Postar um comentário