On The Turning Away - Pink Floyd
Diametralmente oposta a qualquer ordenamento jurídico, DESUNIÃO ESTÁVEL é uma imaginária relação multiafetiva ousada entre a Poesia e a Música. Como esses valores estão em declínio nos dias pós-modernos, decidi promover impulsos de acasalamento sentimental entre ambas, com a substancialidade e a emoção que brota dessas duas formas de expressividade dos sujeitos na sociedade civil, ou seja, nascentes da natureza humana. Aos amantes, as cortesias da Casa.
domingo, 31 de dezembro de 2017
sábado, 30 de dezembro de 2017
Dois Tempos da Eterna Solidão
Mil novecentos e noventa e dois, dezembro. Comando do
Quinto Distrito Naval do Rio Grande, último dia do ano. Eu, de serviço na
unidade junto com alguns praças: um sargento, um cabo, um marinheiro e o taifeiro,
além do fuzileiro naval na guarita de entrada. O resto do pessoal já havia ido
embora, mais de centena. Naquela tarde, conduzi novamente o cerimonial de recolhimento da
bandeira, estava escurecendo. Apareceu outro sargento solicitando que a viatura
pegasse a esposa dele num bairro da cidade, ele também estava de serviço, mas
na Capitania dos Portos, ao lado. Consenti. A pistola 9mm em minha cintura era apenas um adereço na
decoração da farda militar. Permaneci no quarto do oficial de serviço lendo
algum livro (talvez fosse Blavatski) até que vieram pedir que eu liberasse a
geladeira do rancho, pois quase todos os praças de serviço na Capitania iriam
comemorar ali com seus parentes, fora os quatro do Comando, eles precisavam
dos refrigerantes que o intendente negara pela manhã. Impossível repetir o ato
dele, ainda mais vindo de um subordinado 2º Tenente, eu era 1º. Um silêncio
sepulcral, fui dar uma volta pela OM (organização militar), por dentro e por
fora. Na segunda sessão, verifiquei que os navios do Comando estavam devidamente
plotados, em terra. Lá fora, nada se mexia, além dos pássaros que bebericavam
no canal. Voltei, fui à Praça D’Armas, o refeitório dos oficiais. Liguei a TV e o taifeiro perguntou que
horas eu queria a ceia de ano novo, pedi que servisse às 23. Quinze minutos antes, dirigi-me
ao rancho, todos já estavam sentados com suas mulheres e crianças, umas trinta pessoas. Desejei-lhes um feliz novo ano, repleto de realizações e
esperança, já que o governo Collor representou os dois piores anos das Forças
Armadas em toda a sua história. Saí dali, eles começaram a cear. Quando voltei,
o taifeiro deixou a bandeja com a ceia e minha tradicional água com gás sobre a mesa,
desejou-me feliz 93, pediu licença e recolheu-se aos seus colegas no rancho. Antes de comer,
sentei-me no sofá, desliguei a TV e chorei um pouco. Por aquele povo que
trabalhava de serviço numa data tão especial, impedido de estar em casa com
mais parentes. Refleti sobre meu futuro. Jantei, vi a passagem de ano na TV a única vez em minha vida e
fui dormir.
Dois mil e dezessete, dezembro. Caverna do Tarumã em
Curitiba, último dia do ano. O desafio. Driblei a todos, não muitos, mas o
suficiente. Aloquei pessoas, inventei destinos, realizei mentiras. Tudo na mais
sutil arte do embuste, o engano. Claro, que sem ferir ninguém. E consegui, o
triunfo de minha solidão. Nesta virada do ano, livrei-me de tudo e de todos,
para ficar sozinho. Pela primeira vez, resolvi
experimentar uma situação semelhante à de 1992, só que tomada de vazios, todos. Reflito sobre meu presente, já não há mais futuro. Tanta
coisa aconteceu de lá até aqui, passaram-se 25 anos. Trabalhei em três estados,
cinco cidades, nove empregos, serviço público em todas as esferas de governo, clínicas particulares e grupos de saúde, e agora uma empreitada. Casei, fui pai duas
vezes, me divorciei. Fiz outra faculdade. Morreu um dos meus dois cachorros. Raras
paixões, nenhum amor, sexo suficiente. Mas o que mais me chama atenção nessa
noite de virada de ano, não é uma mesa com brasileiros ceando longe de suas
casas. É a falta de diálogo das pessoas neste momento nacional. É certo que o
golpe dividiu a sociedade. É certo que a tecnologia afastou as pessoas criando
vácuos artificiais na sociedade. Mas tudo isso é errado, penso eu. E não
poderei resolver. Então, eu concluo planos para este meu presente-próximo. Então
eu revisito minha garagem de valores, meu porão de verdades e meu sótão de
afetos. Como um astronauta, subo rumo a 2018 numa cápsula tão reduzida, que
quase posso ver quem são as pessoas que sobraram em minha vida. Naquela mesa do
Comando, eram 30. Nesta mesa imaginária de hoje, sem contar comigo, são 5: duas
filhas, minha mãe e um amigo. A meia-noite chega, os foguetes começam, a cadela Buba corre para
dentro. No mundo inteiro, pessoas comemoram presencialmente a entrada do ano
novo. Aqui, neste mundinho meu, não comemoro isolado pensando em minhas filhas e na
mãe. E choro. Não de tristeza, mas de sensibilidade. Porque ainda arde em mim
uma ausência. Então, minhas lágrimas em formato de rio, deslocam-se para o mar, eu já disse isso.
O mar, é a minha ausência. É o quinto elemento em minha mesa imaginária. E as lágrimas vão indo por simples espontaneidade da natureza. Sem tristeza, mágoa, rancor ou
ressentimento, pois tenho a consciência de que eu não haveria de ser amado: apenas, "porque não tinha que ser". Basta-me aquela ausência, para escrever, percorrer a
natureza e chorar quando for preciso. A solidão, é talvez a mais bela forma de
reconhecer quem está mesmo ausente em nossa vida. Não há ninguém aqui, posso até perguntar em voz alta, sobre algo que já aprendi. Mar, onde está você?...
Poesia incidental:
“Consolei-me, voltando ao sol e à chuva
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que não são.
Sentir é estar distraído.”
- Alberto Caeiro
quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
Entredatas
“Os nunca politizados, pegam
facilmente carona com qualquer desconhecido...”
“Todo preconceito, é um constante
perigo de se transformar no objeto do próprio preconceito..”
“Na eterna luta de classes, enquanto
B não admite o giro vertical da pirâmide social, o pavor de A é que esta se
transforme em ampulheta.”
“O ódio alheio é como o tsunami.
Precede-se por um recuo silencioso do mar, guardadas as devidas proporções em
relação à duração deste recuo...”
"Há quem atribua à morte, valor de nascimento. Então, desprezam alguém a vida inteira, para em seu velório, compensar tanto desprezo. Na verdade, é somente para atestar a inversão de seus próprios valores."
"Há quem atribua à morte, valor de nascimento. Então, desprezam alguém a vida inteira, para em seu velório, compensar tanto desprezo. Na verdade, é somente para atestar a inversão de seus próprios valores."
“A necessidade de aparecer feliz
na rede social, é diretamente proporcional ao vazio individual.”
“A raiz de todo problema, está na
disciplina: ou ausente, ou em falta, ou imperfeita.”
“Apenas os artistas têm
competência para encontrar pessoas quentes numa cidade fria.”
“Repare que toda falta de um amor,
é compensada com muitas formas de criatividade. Já a ausência dele, admite uma
só forma.”
“Viajar, é percorrer 360º em
volta de sua missão.”
“O homem sobe a montanha, só para
ver o mar que está perdendo.”
“A fome, é uma ansiedade por algo
de natureza distinta do alimento.”
“Bebidas alcoólicas são feitas
para quem tem sede de saliva.”
“Não pensem que os solitários
passam as festas de fim de ano em branco: eles ganham novamente seu belo presente, a
realidade...”
“A música, é a hóstia dos ateus.”
“Experimente, mexa com a Física,
invertendo seus polos: diga sim para os seus medos e não para os seus segredos. Pois reconhecimento e revelação, são libertadores...”
“Não espere aviões. Construa barcos.”
“Ou é o homem que se aproxima da
natureza indo às florestas, montanhas, rios, saltos e cachoeiras; ou é a
naturalidade da morte que assim se aproxima do homem...”
domingo, 24 de dezembro de 2017
quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Trítico 1
Ela disse bem assim, “o ser amado que está fora, já
mergulhou mar adentro”. Então ela passeia na beira-mar cantarolando em sua
espera. Algumas frases têm me enlouquecido ultimamente, pena que perco a
maioria delas no vento. Não posso questionar os fatos que a inspiraram, apenas
me pergunto por que razão ele se foi mergulhando no mar. Teria seu amado ido
atrás de alimento? Ou ela ainda não o conhece e tem a certeza que ele vem do
mar? A poesia quando vem a parir uma música, deixa interrogações para o
pensador, contemplação para o observador e êxtase para o ouvinte. Não
precisamos saber ao certo a sua história, basta a beleza da canção. Minha teimosia
em refletir as coisas da vida ainda vai me matar numa curva da 277. Se ela ao
compor aguarda o retorno de alguém do passado, ou ela se guarda para a chegada
de outro alguém no futuro. Eu queria que não fosse nenhum dos dois, porque
ambos indicam sofrimento. No primeiro caso, a falta de perspectiva quanto as
novidades; no segundo, o excesso de expectativa quanto a elas. Peguei a letra
nas mãos, fui passear pela casa do pensamento meu, até concluir que é sim algo
futurista. Essa coisa chamada esperança, que algumas pessoas criam em seus
quintais dos fundos, de encontrar um amor verdadeiro. Admiro tal capacidade,
habilidade em jardinagem afetiva. Não é para mim. se eu chagasse na casa
azulada e visse um turbilhão de rosas, avencas e jasmins, teria a certeza que não
foram por mim. E eu não tolero essa coisa de se encaixar no molde sentimental do
próximo. Sei que elas, as jardineiras, plantam inadvertidamente. E se houver
visita, por que não mostrar tal beleza? É um jeito de se dispor a amar. Compreendo. Mas permaneço sentado
no alto da pedra onde batem as ondas. Não mergulhei, penso que não. Não a vejo daqui. Em minha paisagem, mar, musgos,
mariscos e areia...
Vejo Você Aqui
(Badi Assad / Zélia Duncan, 3:29)
Pele, pérola
Flores, pétalas
Vinhos, velas
Algo em mim te espera
Silêncio, sílaba
Palavras, mímica
Solidão cíclica
Algo em mim te avista
Âncoras, cânforas, rosas
Tudo vibrando por você
Dentro da casa azulada
No fim da rua comprida, cacheada
Longas notas, músicas novas
Portas e mais portas
Caminhos sem fim
Passeiam por mim
As coisas falam por si
Vejo você aqui.
(Badi Assad / Zélia Duncan, 3:29)
Pele, pérola
Flores, pétalas
Vinhos, velas
Algo em mim te espera
Silêncio, sílaba
Palavras, mímica
Solidão cíclica
Algo em mim te avista
Âncoras, cânforas, rosas
Tudo vibrando por você
Dentro da casa azulada
No fim da rua comprida, cacheada
Longas notas, músicas novas
Portas e mais portas
Caminhos sem fim
Passeiam por mim
As coisas falam por si
Vejo você aqui.
domingo, 17 de dezembro de 2017
Um Salto na Natureza
A montanha não é dos homens. A montanha é a cidade dos
animais. Cheio de vazios em sua selva, o homem se lança a desafiar a montanha,
como se fosse possível. Então ele invade o território que não é seu, dizendo
que é pela natureza, mas na verdade é tão somente um desafio. Uma necessidade
espacial, de ocupar algo alheio sem ser crime, uma compensação àqueles vazios predominantes onde
mora, cuja artificialidade esfria o ambiente. Falando em ambiente, na cidade da
montanha ele é selvagem, na selva do homem há selvageria. Duas coisas distintas
semanticamente parecidas, mas de significados desiguais, em função das realidades dos
lugares. A palavra quase certa, é desafio: um eufemismo para o que chamamos de fuga. Este, atinge proporções dimensionais,
envolvendo as dificuldades encontradas na montanha para cruzá-la, e também os
obstáculos existentes no homem para superá-los. Ele começa, e na primeira hora
o coração acelera, o corpo vai se habituando à intentada. Depois da
aclimatação, o silêncio toma conta, parecendo que os donos da casa e os rios
vão sugerindo que o invasor se cale, dentro da mata e diante de si mesmo. Começam
as reflexões, as buscas das respostas para problemas que aparentemente estão
ali, mas que remetem à selva humana. A perda de água e sais minerais é absurda,
reposta a cada novo rio com o qual se depara. A musculatura fica tensa, a mochila
parece aumentar de peso, fazendo lembrar o quanto de supérfluo carregamos pela
vida. Vontade de deixar algumas coisas por ali, mas a consciência ecológica impede,
como também impede isso na selva humana, nem para todos. Há um objetivo, na caminhada que
seria de duas horas e meia, foi de três. Paradas para normalizar o coração,
poupar o restante do organismo, mais água. O caminho, é na verdade um carreiro onde só
passa um, mato denso e fechado, onde o sol não chega, mas abafa feito forno. Subida, que ao final dá
em quatrocentos metros de altura. Ali, centenas de cobras ocupam naturalmente
seu lugar, passamos por boa parte delas, o cansaço e a determinação de cumprir
a meta não permite vê-las. A morte ronda a floresta, representada a cada risco corrido num escorregão, num tropeço, numa queda, num corte, uma fratura, uma parada cardio-respiratória pelo excesso constante de esforço, o estômago se rebela. Enfim, após o último lance em aclive de 70º,
chega-se ao salto. Descritível, a maravilha. Mas, como dizia a musica caipira, “o
cansaço me dominou” e tal descrição caberá melhor em outra oportunidade. Uma
hora e meia de relaxamento na monstruosa cachoeira, com quatro piscinas
construídas pela rainha do espaço, a natureza. Aquilo não é do homem. É dos
peixes, das cobras, dos insetos, dos pequenos e grandes animais que se banham e bebem naquela água gelada e pura. É dos macacos. Quando o homem assume desafio desse porte, não tem volta. Não
tem ajuda, é momento de solidão. Mais do que tudo, o controle mental é quem
rege os passos, entre pensamentos, sentimentos e degraus para mais de metro,
lama, troncos, pedras e conclusões. O aprendizado da trilha vai longe. No sentido
de sua dimensão. Sempre com suporte em força desconhecida. Quando o homem supera
seus limites, vai reconhecendo essa nova força até então oculta. Força que eu não sei o nome,
tão nova que eu ainda nem a imagino passando por aqui em minha selva, principal ambiente para meus outros desafios, aqueles sem eufemismo..
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
Aristóxenes, 266
Um Lugar ao Sol
Eu fui feliz ali. Não se pode deixar de reconhecer que o
tempo em que moramos com nossos filhos, é um tempo feliz. Ou foi. Ou era, tanto
faz a perfeição do pretérito. Tratar o passado com respeito, é o mínimo que se
pode fazer quando se chega ao futuro. A lembrança, é uma caixa forte que
levamos na caçamba do coração. O despertar das crianças, chamando-as para o
dia, para a vida, era coisa sem igual. Trocar fraldas, era engraçado, fiquei
habilitado. A preocupação no banho dos nenês, para não ocorrerem acidentes. A temperatura
das mamadeiras, a sopa de vegetais de liquidificador, o primeiro churrasco, um
sarro. Vesti-las, uma novela. O primeiro cachorro, o segundo. Cinemas,
passeios, viagens, praias e sorvetes, churros, pastéis, lanchonetes e restaurantes
perto ou longe dali. Os aniversários, quanta bagunça, com decorações e camas
elásticas e as primeiras amiguinhas e amiguinhos. Aliás, tudo era engraçado,
para quem se fazia de palhaço tentando mostrar que a vida era um mar
cor-de-rosa. Até as tempestades inundantes, os sóis escaldantes, que espaço
legal naquele tempo. Olhar aqueles anjos dormindo e tê-las que acordar para os
seus minicompromissos. A tentativa com as vans não deu certo. Porque o certo é
simples: levar e pegar na escola, nunca faltei. A casona de bonecas, um tesouro
no jardim dos fundos, tinha até luz. Algumas piscinas de plástico deram certo,
outras não. Incontáveis churrascos, teve até caranguejo. Rede de praia, tinha. Muita
filmagem. Jogos de futebol, tiveram seu espaço animado. A sala de visitas, que
orgulho, os natais. E as aranhas marrons da sala de estar? Casa grande, com laje, piso de
taco. A cozinha que deixava um pouco a desejar, trocou-se o piso. Roupas no
varal, ao lado do canil, que saudade. Três ninhadas, vinte e nove filhotes,
labradores todos pretos, nenhum chocolate ou caramelo. Brincadeiras e
correrias, choros e gritarias. Fui pai presente. Sempre ensinando, jamais obrigando
nem brigando, mas apontando entre causas e consequências. Proteção e carinho, sustento
na medida do possível. Abdicar da vida lá fora para criar rebentos em casa, é
transcendental. Mas o que eu não esqueço, é da hora de levá-las para a cama. Contar
estórias, que não podiam ser repetidas, tornei-me um inventor de estórias. Mas
sempre com personagens ocultos até elas descobrirem quem eram os camponeses, as
rainhas, reis e príncipes, todos conhecidos. Depois da descoberta, o sono. E quantas
vezes peguei no sono durante uma narração, sendo imediatamente acordado
por elas. Essa interface sono/realidade, após o boa-noite com amor, educação, tranquilidade
e segurança, é uma das pedras fundamentais de um lar. Quando fui embora e as
deixei no portão, foi o pior dia de minha vida. Nunca houve nem haverá algo
igual. Nunca mais eu fui dormir direito. Não há aconchego se longe dos rebentos, partes de nós soltas no mundo. Finjo que toda noite eu não lembro da
imagem delas abraçadas no portão naquela noite de despedida. Mas já não finjo mais para elas
que a vida é um mar cor-de-rosa. Elas sabem do mar, do azul e das outras cores. Hoje, bem
orientadas, vão aos poucos desenhando e pintando seu próprio caminho. Sabem dos
valores que o pai deixou feito legado. Dentre outros, a importância da presença, pelo exercício da companhia de um pai com um filho, por exemplo. Só espero que reconheçam, quando preciso
for, que um dia também foram felizes ali. Mas e agora? Agora o futuro tem
redes, mas são virtuais. As caçambas são de plástico e as caixas fortes são de
vidro. Todo dia eu passo lá na frente, ainda moro perto. Pena que não deu tempo para falarmos sobre música e poesia, política e religião: paciência, é um lamento que eu entrego ao vento. Não reclamo da vida. Raramente,
a registro em caráter pessoal. Nesta, como que em agradecimento, uma espécie de menção por respeito
ao passado. Porque ali, um dia eu fui feliz. “Boi, pega o Memo, boi pega a
Liz... boi pega o Memo, boi pega quem quis...”
música incidental
Contos da Escuridão
Três típicas batidas reais, despertam-me de um sono
meio-pesado, duas vezes por ano. Não havia porta no sonho. E não sei se tinha
alguém por aqui ao redor da casa. Levanto-me, acendo a luz, olho lá fora, com a
discrição que todo ladrão merece. Novamente, ninguém. Quem seria, ou seria o
quê? Aviso, de onde? Mais uma pergunta para a coleção de questões que levaremos
daqui sem respostas. Teca, tua tia que não fala mais com Tânia; Buba, cadela
que não dorme mais dentro de casa; Sandra, a brasileira que recolheu-se em sua
amargura; Janete, a francesa que nunca se identificou na rede. São exemplos de
indagações sem filhos, soluções de continuidade, porquês rompidos ao meio e
acrescidos de eterna interrogação. Árvores sem frutos, sabe como? E temos que
seguir assim, sem saber das coisas, mesmo achando que se não fosse assim, o
mundo seria bem melhor. Quantas perguntas sem respostas você leva em sua
mochila? Mais de vinte e cinco quilos? É perigoso para a coluna, para os
joelhos. Deixe-as pela trilha, depois de algumas tentativas, não convém peso
extra em longas caminhadas. E eu, ao contrário de todos que eu vejo, acredito
que a vida é mesmo longa. Nada passa rápido, os calendários estão aí para mostrar o
tempo que não vemos trajado de chances. Mas ele está, e bem elegante. Chances
pontuais, estendidas, de toda forma repetindo-se, quase nunca sempre únicas. E não
as aproveitamos. Deixamos de experimentar, deixamos de conhecer. De aprender, de
sorrir. Amar, viver. Quando abandonamos estas chances que surgem em nosso
caminho, alguns de nós atribuímos aos próprios fantasmas particulares, que
volta e meia nos assustam e impedem de tentarmos, de aproveitarmos tais chances. Eu desisti
de ligar para ela. Alguém bateu três vezes em seu quarto nesta última madrugada?...
quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
Epílogo Imaginário com Abujamra
O QUE É A VIDA? O QUE É A VIDA?
Ø É uma
chance
Ø É um
processo facultativo de reflexão
Ø É a estação
de embarque para o viver
Ø É dar à
razão a tutela do coração
Ø É a busca
do desconhecido em nós mesmos
Ø É o dever
de respeitar a natureza de todas as coisas
Ø É o atento
garimpar de boas companhias
Ø É sentir a
chuva como um banhar da alma
Ø É bem
recepcionar o sol a cada visita
Ø É namorar a
lua de vez em quando
Ø É ter o mar
como objetivo
Ø É criar a
partir da inspiração
Ø É
contemplar toda forma de beleza
Ø É um
lapidar de erros
Ø É comparar-se somente consigo mesmo
Ø É comparar-se somente consigo mesmo
Ø É uma imensa cartografia de trilhas individuais
Ø É venerar o azul como dogma
Ø É venerar o azul como dogma
Ø É uma
estrela que não aparece nunca
Ø É um
constante desperdiçar de bons momentos
Ø É uma
recomendada expressão de toda verdade
Ø É uma
sucessão de mortes ao nosso redor
Ø É não ignorar que tudo é política entre os homens
Ø É uma luta diária contra o fascismo
Ø É não ignorar que tudo é política entre os homens
Ø É uma luta diária contra o fascismo
Ø É a
extensão dos nossos desejos
Ø É praticar
o conhecimento adquirido
Ø É ter a humildade de não saber tudo
Ø É lembrar que ela pode ter outra interpretação que não a sua
Ø É ter a humildade de não saber tudo
Ø É lembrar que ela pode ter outra interpretação que não a sua
Ø É ver na
alteridade um sentimento
Ø É aprender
o caráter plural da felicidade
Ø É
reconhecer que só é amor quando recíproco
Ø É a preservação dos seus valores através da ética
Ø É a preservação dos seus valores através da ética
Ø É um
incessante exercício de desapego
Ø É planejar a conquista da paz
Ø É planejar a conquista da paz
Ø É uma
chance que se renova a cada manhã
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
Coletivo Solidão
Coletivo Solidão
A necessidade de aparecer
em público se mostrando 'atualizado' com a moda comunicativa. Some-se à intenção
de se portar em público permanentemente 'compartilhado' ao mundo, mesmo que virtual.
Compensações, que se observadas um pouco além da superfície, revelam
profundezas obscuras e até abissais destes seres pseudocontemporâneos e suas
condutas. Nos espaços sociais oferecidos pelo destino, como escola, trabalho, eventos,
esportes, praças, ônibus, metrôs, aeroportos, lazeres ou onde quer que se junte
mais de um, as pessoas plugadas, ligadas e conectadas em seus smartphones estão
liquefazendo suas oportunidades de adquirir experiências autênticas, oriundas
das relações reais entre os seres, através de sua intersubjetividade, interpessoalidade.
Relações presenciais, substrato para o desenvolvimento de vínculos de várias
naturezas, seja coleguismo, amizade, namoro, profissional, social, cultural. Hoje,
vale mais enviar mensagens com códigos, palavras sem vogais, emojis e postagens
sem comentários, todos reproduzidos feito eco alheio, substituindo a voz, do que dirigir um olhar e propor um assunto. Há
quem só se preste a digitar, falar seria um absurdo, coisa ultrapassada, démodé.
De repente, a quebrar o silêncio que acompanha este tipo nocivo e falso de
comunicação, surge um espanto, uma interjeição, uma risada alta, um grito como
resposta ou justificativa para tal comportamento vazio, querendo dizer na
verdade, “estou em sintonia, on line,
atualizado”. Fora a morte, não há nenhuma notícia que mereça ocupar o binômio
tempo/espaço das pessoas, que não possa ser vista em casa, à noite. Então os
cafés foram invadidos, os almoços, os jantares, as noites, os aniversários, as
festas, os fins de semana, passeios, viagens, ambientes, tudo. Por consequência, o mau uso da tecnologia, a
torna outro antônimo da educação. Nada mais se cria, tudo se envia. Uma extensão
do organismo, este HD externo que cabe na palma da mão e substitui o cérebro
humano, parece tê-lo invadido como um pen drive acoplado ao pavilhão auditivo dos indivíduos. Aquela coisa de responder a um estímulo externo,
já não precisa mais de codificação cerebral, pois tudo já vem pronto e
mastigado para você responder no mesmo formato, ante a velocidade do transmitirr,
que atropelou a reflexão, o pensamento, o raciocínio. Tudo é tão supérfluo, que
não se faz necessário refletir, pensar, raciocinar, para depois então agir. Tarde
demais. Mas tarde para quê, se o tempo é prescindível? Aliás, o tempo não existe,
pois todo minuto é hora para se conectar e ver o que acontece neste plano
virtual. As pessoas assassinam o próprio tempo. Ferem o próprio espaço e o
tempo/espaço dos que estão em sua volta. Não é crime. Jamais seria. É sim dependência psíquica. E só há um remédio para isso, que não se encontra nas farmácias, está nas livrarias. Se os aplicativos
substituíram os olhares, as pessoas encontram seus partners na ponta dos dedos, para
quê sair de casa? Tinder, Happn, Hot or Not, são as ferramentas modernas de
approach. Instrumentos para, sob a benção dos deuses Iphone & Android, unir
cabeças e corações. Os filhos destas relações – que já começaram artificiais – tendem
a serem fieis à sua superficialidade. Aí, quando precisarem mergulhar na vida
real, o afogamento se tornará pesada estatística. Uma gostava de trocar
digitações existenciais de madrugada. Outra, de fazer sexo via internet. Teve
até aquela que queria anunciar relacionamento sério mesmo sem ter visto o
sujeito. Não houve uma quarta, seria além do demais. Rasguei a minha rede
social. Pois descobri que existe uma solidão pior que a minha: a solidão
coletiva, celular, que busca virtualmente on line a presença que não tem. Minha
solidão é real, integral. É criativa, espontânea, minha agradável experiência
autêntica...
Contos Metropolitanos
As Moçonas da Cidade
A frieza das morenas. O
calculismo das polacas. A hesitação das 'alemoas'. O medo das orientais. A
oscilação das mulatas e o desdém das latinas. Já passei por tudo isso, exceção
às orientais, mas eu sei, eu vi, não toquei. Mulheres curitibanas, cada qual
com seu veio aberto e nem tão difícil de encontrar na mata capital, fiel às
suas tradições geneticamente herdadas. Basta caminhar junto, e logo aparece, a
principal característica de sua paisagem. Nem todas são essencialmente assim,
algumas um pouco, outras nada. Mas a tal democracia aponta para a maioria,
compatível com sua origem. São coisas que evitam novos relacionamentos, ou
destroem os já iniciados. Não é questão de paciência, é apenas um estado que
elas atingem, no qual não se pode interagir, intervir e nem adianta dialogar.
Lendo isso, elas falariam sobre os homens curitibanos e seus defeitos,
obviamente. Claro que temos, mas não considero que eles tenham origem semelhante.
Penso que têm mais a ver com educação, alteridade e bom senso, presentes ou
não. São critérios diferentes para analisar sexos diferentes. Mulheres vêm com
genótipos, homens adquirem fenótipos. Tratando-se delas, no fundo, não importa
de onde vem a linhagem, e sim os efeitos desta. Acontece também, que elas formam grande população na cidade. E uma cidade com esse tipo de maioria, convida permanentemente ao exílio urbano. É aquilo que eu chamo de solidão. Repito, que o expoente
trovador de Sobral está certo quanto ao seu conhecimento das capitais. A minha capital
é assim. Muitas mulheres, mas em sua maioria frias, calculistas, medrosas,
hesitantes, oscilantes e desdenhosas. As que se mudam para cá, demonstram-se da
mesma forma, se é que já não a revelaram acolá. A diferença, é que aqui o viés
é mais presente, a marca é mais forte, o traço e mais espesso. O clima pesado
interfere na amplitude das relações, de toda natureza. Povo defeso, proibido,
que quando ataca o faz voraz, mesmo na forma de silêncio ou indiferença. Gente que vem
de fora, adapta-se à temperatura. Outro menestrel planaltino disse uma vez que o
livre-arbítrio é um pensamento filosófico extraoficial a mostrar que a escada
do destino, é feita por degraus de escolhas. Não tenho o quê escolher. Elas são
todas assim. E eu aqui, com meu defeito, dando a entender que o amor fosse uma opção.
A companhia é mesmo uma escolha, mas amar é outra dimensão. O amor não se
escolhe. Não amar é sim uma opção. Eu poderia escolher uma entre elas pelo seu
menor defeito, digamos. Mas outro meu defeito foi não escolher amar uma delas,
e também a opção de não amar, ninguém. Pela lógica, não tenho companhia. Minha
opção de não amar assusta muita gente, provoca uns, ofende outros. Todos,
escolheram-se entre si, ou eles entre elas e vice-versa. Dizem que não, mas no
fundo é assim. Um calçado, um esporte, um CD, uma profissão, uma companhia. Tudo
se escolhe, menos um amor. Para bem amar, não precisa saber escolher. Mas para ter
alguém junto, sim. Não pergunte as diferenças para mim. O que eu direi, são
meus defeitos que se transformarão nos olhos do perguntador, em meu susto,
minha provocação e minha ofensa. Para compensar os renitentes moradores, todas
elas dançam bem. Como eu gosto do Baile do Pato. Mas é em Piraquara...
sábado, 2 de dezembro de 2017
Liberdade, abre os blusões sobre nós
Um Fiat Palio vermelho passou devagarzinho na frente da
casa, parou um pouco além da outra esquina. Dava para ver, desceu um sujeito
daqueles, voluntariamente estereotipado, de bermudas, sem meias e com um capuz
a evitar reconhecimento, sob o sol não escaldante. Carregava um pacote azul nas
mãos e fez o caminho da volta até um condomínio de sobrados no meio da quadra,
onde digitou o número da residência, sem erro. Veio um homem que, através da
grade, pegou o pacote e voltou para dentro. O sujeito retorna sorrindo e
apressa o passo até correr para onde o Palio lhe aguardava, já mais no meio daquela
outra quadra. Delivery extra-oficial? Disk o quê? Happy alguma coisa, com
certeza. Dali alguns minutos, o homem que ficou com o pacote saiu em seu Nissan
Sentra pelo bairro. Fico pensando na cadeia econômica que sustenta o tráfico de
drogas. Quanto mais próximo da produção, mais pobre. Quanto mais próximo do
consumo, mais rico. E quem sempre cai, são os pequenos intermediários, pois os
grandes, donos dos cartéis, não vão a campo, têm quem o faça por eles. Senadores,
militares, megaempresários, celebridades da mídia. Helicópteros em suas
fazendas entreposto, aviões em seus aeroportos clandestinos, cruzam os céus
como se todo dia fosse de Brigadeiro. Nada os intercepta, nem a Polícia Federal
ou o Ministério Público, tampouco o jornalismo investigativo, muito menos as denúncias
nominais ou anônimas. São os intocáveis da idade contemporânea. O topo da
pirâmide é um lugar para poucos e eles fazem questão que seja de difícil
acesso. Para isso, doutrinam, manipulam, ideologizam a classe abaixo da deles,
a do meio, servindo como barreira a impedir ainda mais aquele acesso ao
vértice. Por isso, a legislação se volta para os mais pobres na base, livrando
os consumidores do topo. Há quem fale na descriminalização geral, como se isso
fosse acabar com o tráfico de entorpecentes. É só olhar para o contrabando do
tabaco, para ver se o tráfico se encerrou. Sim, eles querem descriminalização
geral, pois eles têm seus planos de saúde compatíveis, completos a tratar das
respectivas dependências. Mas e quem não tem acesso à medicina privada? Vai morrer,
e é justamente esse o desejo da classe alta, cujo ódio baba mais do que saliva.
Ditam padrões de consumo impossíveis à maioria, elegendo modelos de
comportamento e valores invertidos como cartilha da modernidade. Seu plano de
metas é que a população brasileira se resuma a 80 milhões de habitantes. O extermínio
de mais de 120 milhões já começou. Importante é você se posicionar
estrategicamente, estabelecendo em que ponto do caminho você se encontra agora.
Se você é pela liberalização geral e irrestrita sem intervenção do Estado,
formando pseudocidadãos, ou se você é pela regulamentação racional da vida em
sociedade. Polarizaram, agora é também difícil não seguir. Quando morava numa
república, cheguei em casa e fui até o banheiro. Lá, um colega médico injetava cocaína
na veia. Eu vi. Você já viu alguém realmente entorpecido por causa da administração de
uma droga? Eu achei aquilo deprimente, rasteiro e condutor de desvios na
trajetória natural dos homens. Não me venha falar em moral, a coisa é questão de saúde. Mas na novela real dos barões do pó, o Sentra é
seminovo, e o piá mascarado vem todo mês abastecer o rico e livre desencapuzado que lhe manterá pobre e preso por toda a sua reles sobrevida...
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