SINOPSE
Esta estranha música do
Zé, fala sobre reencarnação e reencontros, além da importância da consideração
nas relações entre os seres, e as consequências de seus desajustes quando a
força do silêncio impera, impedindo a nova criação, seja do que for.
kRIPTÔNIA
- zÉ rAMALHO -
MÁ CRIAÇÃO
Nada farás de tua
sensibilidade. Ela tem formato de pó, queimando em fortes labaredas dos sóis
que atravessam o céu dos teus dias obscuros. Ela é feito a chuva, que passa
pelo mundo e se esvai pelas bocas de lobo na cidade e pelas erosões do solo nos
campos e grotões nas florestas, ou então dissolvendo-se em lagos, rios e
oceanos. Às vezes, é como a garoa que as pessoas simplesmente evitam. Nem
precisa se dizer das tempestades. A sua natureza fluídica, é tão superficial que
se pode secar com panos de chão o espaço, os corpos com toalhas de rosto à mão
e as outras coisas não precisa porque evapora-se em poucos minutos. A
transparência lhe dá o tom de translucidez e o matiz da invisibilidade total.
Pode-se apenas escutá-la, por força das ondas, isto é, do barulho das águas. Águas
correntes que não ficam, obedecem ao movimento pré-ordenado do destino pela
sina de insignificâncias. Nem adianta vertê-las em palavras, disfarçando
sentimentos como se não fossem teus. Porque também tuas palavras são vento para
os ouvidos, aquela poeira ardente para os olhos, desinteressados de um submundo
individual avesso à modernidade da vidinha contemporaneamente agitada de
superfícies. O reconhecimento, é um filho bastardo de outro meretrício, o qual
jamais pegará no colo nem verá o rosto, de tão natimorto o prognóstico de tuas
esperanças de refletir em alguém. A realidade soberana hoje incansavelmente re-anuncia, que tu jamais terias uma
linha, um pouco de pele ou uma voz a teu respeito, muito embora tiveste te
dedicado na vã e persistente tentativa de construir um jardim. Sucumbidos a
visão, o tato e a audição, somados com a ausência de flores ao teu redor,
resta-lhe apenas o paladar. Isso tudo porque relutas em perceber que a maioria dos
teus sentidos se evanesce, à medida que tuas singelas exposições suplicam no
leito da segredosa existência. Então aproveita e usa tuas papilas linguais,
para imaginar o gosto que a vida não te deu. Depois, curva-te à tua
sensibilidade, pois foi ela que sustentou até hoje a relação de sobrevida entre
os elementos da natureza e os teus sentidos. Tu, que não querias ser droite na
vida que nem foi gauche, ainda tens de agradecer...
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