quinta-feira, 31 de julho de 2014

hERMENÊUTICA <> kRIPTÔNIA / zÉ rAMALHO

SINOPSE 
Esta estranha música do Zé, fala sobre reencarnação e reencontros, além da importância da consideração nas relações entre os seres, e as consequências de seus desajustes quando a força do silêncio impera, impedindo a nova criação, seja do que for.  

 kRIPTÔNIA 
 - zÉ rAMALHO - 

MÁ CRIAÇÃO 
Nada farás de tua sensibilidade. Ela tem formato de pó, queimando em fortes labaredas dos sóis que atravessam o céu dos teus dias obscuros. Ela é feito a chuva, que passa pelo mundo e se esvai pelas bocas de lobo na cidade e pelas erosões do solo nos campos e grotões nas florestas, ou então dissolvendo-se em lagos, rios e oceanos. Às vezes, é como a garoa que as pessoas simplesmente evitam. Nem precisa se dizer das tempestades. A sua natureza fluídica, é tão superficial que se pode secar com panos de chão o espaço, os corpos com toalhas de rosto à mão e as outras coisas não precisa porque evapora-se em poucos minutos. A transparência lhe dá o tom de translucidez e o matiz da invisibilidade total. Pode-se apenas escutá-la, por força das ondas, isto é, do barulho das águas. Águas correntes que não ficam, obedecem ao movimento pré-ordenado do destino pela sina de insignificâncias. Nem adianta vertê-las em palavras, disfarçando sentimentos como se não fossem teus. Porque também tuas palavras são vento para os ouvidos, aquela poeira ardente para os olhos, desinteressados de um submundo individual avesso à modernidade da vidinha contemporaneamente agitada de superfícies. O reconhecimento, é um filho bastardo de outro meretrício, o qual jamais pegará no colo nem verá o rosto, de tão natimorto o prognóstico de tuas esperanças de refletir em alguém. A realidade soberana hoje incansavelmente re-anuncia, que tu jamais terias uma linha, um pouco de pele ou uma voz a teu respeito, muito embora tiveste te dedicado na vã e persistente tentativa de construir um jardim. Sucumbidos a visão, o tato e a audição, somados com a ausência de flores ao teu redor, resta-lhe apenas o paladar. Isso tudo porque relutas em perceber que a maioria dos teus sentidos se evanesce, à medida que tuas singelas exposições suplicam no leito da segredosa existência. Então aproveita e usa tuas papilas linguais, para imaginar o gosto que a vida não te deu. Depois, curva-te à tua sensibilidade, pois foi ela que sustentou até hoje a relação de sobrevida entre os elementos da natureza e os teus sentidos. Tu, que não querias ser droite na vida que nem foi gauche, ainda tens de agradecer...  


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