domingo, 27 de julho de 2014

Contos sob a copa das Araucárias


 CÔNCAVOS 



Ela estava sentada num banco de madeira, naquela manhã instável do parque público, tão vazio de gentes. O vento ligeiramente fresco lhe tirara a vontade de caminhar, preferindo ler aquele livro teimosamente inacabado. Outro romance, onde quase sempre as estórias impossíveis se transformam em realizações até o final. Mas as frases a conduziam como se fosse aquele vento, e volta e meia tinha que voltar do pensamento até as páginas. Do nada, surgiu ele caminhando, atravessando as pistas e o gramado em sua direção. Não pôde descrevê-lo, ante o súbito momento. Aproximou-se, tomou-a pelas mãos levantando-a do banco. Tirou os óculos e deu-lhe um suave e demorado beijo na boca. Ela, paralisada, entregou-se ao doce mistério com sabor desconhecido até então. Ele, tocando com o dorso da mão no rosto dela, despediu-se sem deixar voz. Rumou em direção ao lago, sumindo na paisagem do tempo. Desperta do fato, sentou-se ao banco tentando começar a entendê-lo. Não conseguiu, pois deverá carregar isso ainda por muito em suas dúvidas. Apanhou suas coisas e foi embora dali, tomando o caminho de casa. Talvez ele fosse alguém do passado, que por timidez não pôde se aproximar. Ou então fosse alguém do futuro, que por destino resolveu antecipar sua despedida. Do presente, não poderia ser, por estar ausente de espaço, de onde viria tal pessoa, tons de enigma...coisas que morreremos sem saber. Em função de um comportamento, ela jamais soube compreender que ele na verdade era ela mesma. Alguém que deslocou-se de si, para fazer um gesto de carinho que faltava, em alguém que não soube lidar carinhosamente com as pessoas do seu espaço. Antes de entrar em casa, abraçou uma mulher qualquer na rua, chorou e seguiu sem dizer nada. Por sua vez, essa outra mulher também não reconhecia que omitia abraços. Mas deu um sorriso para o moço que passava de bicicleta. Este, acenou para um senhor que passeava com seu cão. E assim seguiu a humanidade. Depois daquele dia, cada um recebendo algo que não costumava dar. Algo que não tinha preço, mas era capaz de mover. Então a nova humanidade se fez presente, independente dos lugares e das horas, distribuindo gestos e compartilhando descobertas. Assim, acabaram-se os sonhos, e a fantasia agora era a realidade recentemente costumeira, tomada de pesadelos. Não se sabe ainda quem foi o primeiro a estender a mão. Mas ficou claro que todos fazem parte do vento, da imaginação e da companhia de si mesmo...


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