sábado, 12 de julho de 2014

AUTORALLIA << Ementhais / por B. Azeredo




EMENTHAIS
A lâmina afiada do punhal do destino, corta silenciosamente as madrugadas em fragmentos. O faz abortando sonos, esta maneira nada sutil de despertar, obrigando a olhar para as estrelas e assim tentar antecipar alguns passos do futuro. Como que preparando alguém que há de presenciar a próxima alvorada, não importando se ela vem de sol ou não. Aqueles pedaços são sempre pares, embora assimétricos. Explica-se então o distanciamento das relações tentadas, cuja incompletude não permite amanhecer sonhos, desejos ou vontades queridos no ato de deitar-se com as reflexões. Simbolismo ao extremo, quase nada fica sem razão de ser. O problema é o cansaço de ver se repetindo vidas em fatias, cuja precisão do corte impede nova junção. Mas para que reunir coisas velhas, senão para depositá-las no baú da história. Eis a chave do grande mistério, transformar em memória aquilo que já se perdeu. Importa saber que a chave não é do baú, o qual deve permanecer fechado em respeito ao que já se foi; ela é do ato, filho da conduta com o comportamento. Enquanto uns vivem a lamentar tais perdas, outros limpam e amolam a superfície dos seus punhais. Tanto que, hoje, levo comigo a sina de uma pedra de afiar, deixada sempre ao alcance, para todo e qualquer momento iminente ao escorrer de uma lágrima em condolência. Ergo o braço para o alto, e num figurado golpe certeiro separo o passado, sem qualquer imediatismo tosco dos professores morais avessos aos sangramentos. É que não devemos suportar o peso de relacionamentos sem presente, perspectivas ou coisas da natureza temporal. Toda carga será castigada, para que possamos seguir livres na fluidez de nossa insustentabilidade...


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