RUBRA ESTANTE
Naquela
vasta biblioteca, quase nenhum romance. Tomada que estava de obras de ficção.
Não havia outros gêneros, o acervo era mesmo feito de interpretações
imaginárias da realidade então compreendida, e suas respectivas projeções,
alcances, às vezes estagnações temporárias. Nenhum conteúdo retrógrado, saudosismo não
habitava por ali. No alto, estórias de um tempo mais antigo, quando as chances
do futuro eram mais altivas, desprendidas, libertas. À meia altura, uma
prateleira sem volumes se estendendo de ponta a ponta, continha alguns
porta-retratos de pessoas que ficaram. Ao alcance sem esforço das mãos, o mundo
aos olhos contemporâneos de contemplar. Páginas de natureza morta se
multiplicavam em progressão desordenada, formando o design daquele corredor
ambientalmente adaptado. Era o corredor da vida, onde ela (a pessoa) guardava com apreço a
lembrança de suas experiências com as coisas reais, seus delírios, sonhos e
desejos levados pelo vento do espaço. Sempre autoral, pouquíssimos estranhos
faziam companhia a seu depositário cantinho de emoções, razões e combates entre
ambas. Mas eram as ausências que dominavam a temática local, diferentemente de alguns nichos ainda não preenchidos. Quem se
aproximasse dali, sentiria algo estranho, como se parasse diante de um mar e
não escutasse o barulho das ondas que avistava. Como se olhasse para o sol sem
ofuscar-se, ou para um céu noturno límpido sem estrelas. Um rio parado, a
floresta silenciosa, um vento imaterial. Não era nada insano, apenas humano.
Talvez seja mesmo essa a sensação que se tem numa livraria, de alguma coisa por
fazer, mais que uma simples atitude, exigindo um comportamento proveniente de
um hábito traduzido num ato de estender a mão e apanhar um livro não qualquer.
Mas todo aquele ambiente era estranho demais para que alguém se interessasse
por tais conteúdos. Pessoas passavam por ali como diante de um jardim de
inverno, intransponivelmente. Depois de algum tempo pré-determinado pelo
destino, seguiam seu curso, em direção à vida de verdade lá fora, longe dali,
distantes daquela desinteressante e maravilhosa biblioteca, o seu coração.
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