Como Três Animais
Quando o sol das
pessoas recolhe-se merecidamente no poente, é que ela sai da sua toca para
lançar-se no seio da selva de cimento armado. Astuta, felina, quase não humana,
ela procura com instinto os filhotes textos, para depois chegar aos seus pais,
os bichos. Não vale-se de armadilhas, apenas usa sua beleza para atraí-los pela
ingenuidade diante de tanta. Eles ficam espantados, enchem-se de perguntas,
atônitos cerebrais, paralisam-se até que ela dá o bote. Uma vez dominados, ela
aguarda na mata urbana os pais desesperados a procura dos seus rebentos. Quando
eles se aproximam, e avistam a fera com eles nos olhos, inicia-se o processo do
abate. Filhotes viram reféns, mas são os pais que tornam-se presas. Uma relação intraespecífica
de sobrevivência para todos. Pelo prazer de interpretar gentes do jeito que ela
gosta, sem se importar com as consequências de sua conduta, método e atitudes.
Guarda todas as razões para si, fazendo da verdade alheia meras irrelevâncias.
Lota- se de certezas próprias, sorvendo a energia das vítimas, achando que age
tão naturalmente quanto um inocente que arranca uma flor do jardim. Típica
forma de vampirismo, desta vez praticada nos relacionamentos entre os seres
vivos. Coisas da vida. Assim atravessa noites e madrugadas, que são, na
surreal, os seus dias. E se os bichos por um lapso do destino conseguem se livrar
da luta, desaparecem para nunca mais passar por ali. Passam a proteger seus filhotes
textos como nunca, passando a viver dignamente em morada bem distante. Ela não liga.
Volta para sua toca, usa aquela energia capturada sabe-se lá para quê, e volta na
próxima noite se tiver vontade de atacar. Essa, a lenda da mais bela mulher daquela
floresta de pedra, onde de um lado as palavras são água, e do outro as imagens são
alimento. Biose, física, intersubjetividade, nascimento e morte. Coisa da sociedade
civilizada. O resto, são histórias...
"Como Dois Animais"
- Alceu Valença -
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