quarta-feira, 13 de março de 2019

Se..



Ela se prepara. Vai ao espelho, se garante – o que não é preciso, poderia ir de qualquer jeito. 
Caminha até a janela, afasta a cortina. Pronto, ela e o mundo. Alguns trejeitos, o olhar fatal, e aquele sorriso que nunca acontece, some antes do fim. 
As chuvas de purpurina e glitter são frequentes, talvez ela pense que algum acessório vai embelezá-la, como se isso fosse necessário, ou possível. 
Ou não, ela apenas brinca com a imagem. 
 A rua é pública. Muitos passam por ali. Uns param, olham e se vão. Outros param, veem e comentam. Sabe-se lá quantos sentem alguma coisa, não importa. 
Mas tem um, apenas um, que é diferente. Modesto, ele não assume que é especial. Porque as especialidades necessitam de referências, pares ou ímpares, e ele não é plural. 
Nem melhor ou maior, é um tanto diferente. Distinto, e cavalheiro. Dos antigos, dos valores antigos.
E nessas expansões do universo eis que o sentimento, é moderno. Melhor, contemporâneo. 
Novo, e já maduro. Até parece que o destino deixou para depois das experiências, da sabedoria, do conhecimento, da maturidade daqueles valores, mesmo que tal qualidade seja relativa para uns, já que a relatividade também é referencial. 
Foram as semelhanças. Estudantis, políticas, literárias, filosóficas. Aquilo que vem de dentro e ele reconhece, muito. Identificação. 
Mas tem outro elemento magnético que o atrai sem juízo, mas também sem pecado. 
O jeito dela. 
Mesmo bom escritor, ele não consegue conceituá-la. Claro, porque não a conhece. 
Corajoso, tenta fazê-lo. Dotado de respeito e desejo, conhece o seu lugar. 
Não se arrisca, sabe por quê? Pois não é aventura, não é caça,  não é inconsequência nem loucura. 
A sensação que ele tem quando a vê, é mesmo transcendental. 
A sua plástica, beira a perfeição. O cabelo chanelzinho, os olhos coloridos, os traços do rosto, a tez da pele, o contorno dos lábios, o pescoço...parece porcelana. Mas não de Campo Largo. Talvez da terra dos ancestrais dele, a França, como sugeriu o Google. Limoges, isso? 
Ele se sente tão bem, que é capaz de imaginar um convívio. Risadas, ação, viagens, noite, música, dia, amor e selvageria. 
Mas ele para, toda imaginação tem seus limites: a racionalidade. 
Mundos semelhantes, gerações diferentes, ele não merece tanto. 
Passada a chuva, ele desliga o aplicativo. 
Interrompe o sonho. 
E volta para casa da realidade. 
Mesmo com tanta certeza da tal felicidade, ele age como uma pessoa humana .
Uma pessoa humana contemplando a lua. 
Alguém que ele nem pôde imaginar que existiria. 
Que ele nunca viu. 
Mas sentiu. 
Sentiu um princípio, uma chance. 
E que, por fim, deseja toda a felicidade do mundo para aquele que teve pelas mãos do destino, 
A companhia de alguém chamada Silvia. 


Não me incomoda a insônia 
Assim que levanto, 
Sinto-me abraçado a uma determinada existência 
Um conforto 
Um carinho imaginário que só a loucura tem 
De sentir, 
     sem ser amado por alguém... 


A cada surgimento teu 
Roubo como se fosse meu 
Atiro-me no espaço 
Abraço-te  
    e te levo para o cativeiro 
    um canto do peito   
    onde eu te dou colo a imaginar 
    o outro lado do teu luar.. 



Ana Canas  -  "Esconderijo"




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