quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Sessão Educteto – O Filósofo Prolixo – Arregaçando a Escolástica.

 A Idade do Coração 

          Não é preciso ser cientista para determinar a idade do coração, basta observar o registro geral das pessoas. Ou é? Eles, os cientistas, apenas classificaram esta como idade “cronológica”. Segundo os mesmos, ela corresponde ao número de anos que vivemos. Como a coisa estava muito simples, eles inventaram a tal idade “biológica”, indicando os anos que nosso corpo possui. Alegam que uma gama de fatores influencia nossa idade biológica, fazendo-a variar da cronológica. Ou seja, quando mais saudável a sua vida, menor a sua idade biológica, a cronológica não muda nem se você se jogar pelado e de cabeça na valeta do mal. 
        Mas e aí... já que o referencial é a saúde, onde fica o coração humano nessa outra história criada pelos homens? Mais, o que significa ter dentro do peito um coração saudável? Deixemos de fora as questões nutricionais e as aeróbicas, de tão óbvias que sempre serão. As patologias cardíacas, também as esqueçamos junto com os aspectos médicos gerais devido às suas especificidades e limitações ou não (teríamos de analisar caso a caso, competência exclusiva da literatura médica); até porque o questionamento aqui proposto é de outra dimensão. 
         Tentemos nos ater aos aspectos psicológicos da trama, como por exemplo, as influências do nosso vizinho da cobertura, o cérebro humano. Nesse condomínio orgânico, não existe um síndico propriamente dito, mas o voto da cobertura, sabemos que vale por dois. Filosofar, é preciso. Vamos lá, levantar a mão sedenta e tentar outra vez. 
        Um coração que amou uma só vez a vida inteira, é um órgão saudável? O que pouco amou, é modelo de equilíbrio salutar? E aquele que amou bastante, é mais sadio do que os anteriores? E o que se enganou por todo o tempo, atribuindo amores às suas ilusões, nunca tendo amado de verdade, está novo ou velho demais? Quais seriam as respectivas idades “biológicas” dessas bombas físico-químico-elétrico-musculares? 
         O Centro de Estudos Relacionais Beco da Toca, filial Braço do Trombudo/SC, trouxe à baila da comunidade experimental, quatro histórias paranaenses (para evitar suspeições e/ou revelações locais) de vida que correspondem aos exemplos acima, o que nos ajudará na busca do coração saudável, coisas que os nossos pais e a escola deixaram de nos ensinar, como tantas outras. Aliás, nem a educação informal (da rua) fez com que todos nós aprendêssemos a(s) lição(ões). O dito popular “errar é humano” é o consolo de eleição que empregamos na maioria dos casos que prejudicam a nossa saúde. 

           Janaína. Bela, singela, mas não apenas do lar. Trabalha num consultório médico, junto com o marido, o bam-bam-bum da cidade interiorana. Já na faculdade, via em Juvenal um exemplo de prosperidade, tal a ambição (pra não dizer materialismo compulsivo) do moço: “pronto, é com esse que eu vou”, decidira ela no 2º período, ele no 10º. Deu-lhe uma mensagem de amor, uma caixa de chocolates, um estetoscópio e logo depois o seu hímen. O príncipe encantado, todo de branco, só faltava o cavalo cabeludo. Sim, ela resolveu amar aquele sujeito, não obstante a arrogância, a má-educação e a soberba daquele pequeno homem, grande capitalista. Ontem, ela encontrava camisinhas usadas (e cheias) sob a cama dele na república, hoje tem medo de vasculhar seu smartphone. Vez em quando remete sua lembrança a um coleguinha de faculdade pobrezinho, coitado, mas que adorava ela; imaginou se seria feliz se o escolhesse, quem sabe tivesse acesso ao que as pessoas chama de carinho, cafuné... mas Jana já nem sabia mais o que era felicidade, contentava-se e muito com a fartura de bens e posses e como não poderia deixar de ser, do status do “casal” na pequena Jandaia do Sul. Na hora do amor, ele ficava por baixo e ela o estocava escalando sua barriga peluda (com as outras, Juvenal era ativo). Esse é o coração que amou uma só vez, a vida inteira; e não amará mais. 








         Ferdinando. Juntando as duas mãos, dava para contar nos dedos aquelas de quem gostou. Mas apenas gostou, posto que nunca fora amado. A realidade, o transferiria para a categoria dos que nunca amaram, mas ele, assim como tantos, considerou amor. Apenas fez de algumas admirações, amores inventados. Uma pequenina coleção de desencontros. Sujeito diferente esse, uma raridade relacional. De tão esquisito, foi tachado como estranho, louco, antissocial, anormal. É duro ser leal, honesto e sincero hoje em dia. Quem quiser alguém, há de ter muitos poréns. Falava sobre tudo, elas desviavam. Perguntava quase nada, elas enraivavam. Discreto, incompreendido se tornava. As poucas mulheres que levou para a cama, gozavam tanto que achavam que ele era um animal. É que ele oferecia sexo como espécie sendo carinho como gênero: ninguém entendia. E por não entenderem, apesar do sexo não davam carinho a ele, que se recusava a gozar em razão de igualdade de direitos. Se lhe ofereço água, espero água também. E nesse vai e vem de oscilações afetivas, não tardava olhar para trás e concluir estórias. Estórias não têm H de homogêneo, nem I de identidade. Chegou ao fim da estrada sem ter sido amado. Foi querido como um objeto pertencente ao patrimônio pessoal, tal qual ocorre com os automóveis e os apartamentos, os alisadores de cabelo e os jogos de panelas; jamais como pessoa humana. Sua última união, Fatimette, foi uma farsa como namorada (era cúmplice, mas dos fofoqueiros), falsa como pessoa (mentia tanto que quase cuspia) e fraca como mulher (sucumbia à ruindade da mãe, aos caprichos do filhinho e às frustrações do passado). Depois disso, recolheu o coração e o prepúcio. A solidão é muito mais higiênica. Esse, é o coração que - mesmo forçando a convenção - pouco amou.  







            Maristela. A cada olhar, um amor nascente. A cama era um destino fácil, quase nunca esfriava de tão rápida que era a troca. Praticamente nunca houve uma solução de continuidade no seu sentimento, a coisa se dava em movimento retilíneo uniforme, tipo biscoito sem parar. O importante era o título, “namorado”. Depois do abate, é que ia conhecendo os sujeitos. E se entregava, e não largava do pé, da pose, do pau. Todos, como se fossem o primeiro. Todos, com o carimbo do ciúme, a tal “prova do grande amor” que tanto indicam. Trinta anos de idade, começou aos quinze, quase dois por semestre, está com o último há dois anos (Múrcio, o manso), essa a sua estatística relacional: pencas de amores. Ouviu Erasmo e seguiu como lema: “preciso de um homem pra chamar de meu”. E assim foi, desde sua adolescência, um rodízio sentimental oneroso demais para a sua individualidade, sua imagem e seu presente. Percorreu as videntes, o alfabeto, as baladas, os castelos e os psicólogos. Nunca ficou sozinha, seu quarto era sempre uma gritaria. O ciúme dela era apenas um apêndice, cujas crises não admitidas foram fatais. Concluíram que o problema não era ela, e sim os homens, todos iguais. Quase cinquenta, um polaco de cada colônia, mas todos iguais. Esse, é o coração que amou bastante. 









              Geraldo. Esse foi pela contramão da história. Criou-se querendo sexo, em quantidade, assim nessa procura desvairada haveria de encontrar um grande amor, provavelmente após um belo orgasmo. E investiu em todas, as idades, as profissões, as classes sociais, as naturalidades, as alturas, os pesos. Um detalhe: esqueceu-se de que do lado de lá, havia pessoas antes de serem mulheres. Seu primeiro amor foi Gracinha, uma ninfeta de 16 anos. Largou até faculdade para copular com a moça nos parques da cidade dentro de um Chevette, foram presos duas vezes, o pai dele pagava ao delegado sem burocracia. Claro que ela cresceu e o trocou por um mais novo, menos tarado, mais conversador e que proporcionava outros prazeres a ela também. A segunda, Gláucia, um fruto da noite na balada Studio 1250. Trepava mais que ele. Certa vez, passaram a virada de ano na Ilha do Mel cruzando feito dois animais, dentro da barraca, o vira foi um pedido que ele fez pra trocar de lado: ao invés da entrada para o ano novo, ele queria é a mesma entrada para o velho ânus. Também trocou-o (o namorado, Gláucia trocou, e não o ânus), mas desta vez por um mais bonito, mais cheiroso, mais promissor. A última, Gilda, conquistou-o pelo seu referencial, domesticando o bicho de tal forma que as correntes são quase visíveis. Ela, um "sucesso" (só ela achava isso) entre os homens na sociedade; ele, não pode nem acessar a web. Bateu na família dele, nos amigos, enfim, ele só permanece junto porque “a ama”. Sexo, hoje, só na hora em que o 15º médico especialista em reprodução manda, umas duas vezes no mês. Como consolo, a bronha na hora do banho trancado no chuveiro quando ela ainda não chegou do serviço. E todas as outras dezenove foram assim, com base na carne. Enganou-se com seu método, como a água faz com a pedra. A água demora mas consegue, ele não obteve êxito, temporal nem espacial. Esse, é o coração que se enganou por todo o tempo, atribuindo amores às suas ilusões, nunca tendo amado de verdade.








             Pensar e refletir se a quantidade ensina alguma coisa. Ou melhor, se a variedade que traz a quantidade, tem a ver com a qualidade das relações. E mais ainda: se as relações amorosas influem em nossa qualidade de vida. Com quantos corações precisamos nos relacionar para que saibamos levar uma vida sadia? Nenhum? Basta um? Alguns? Muitos? Os corações aprendem ou são as cabeças que ensinam o organismo? Há uma doutrina que oriente feito a constelação do Cruzeiro do Sul? Quais as cartilhas do amor, onde elas estão guardadas, a oito chaves no Vaticano? 
          Muita interrogação para pouco ponto final. Ausência de exclamações. Texto pobre, diante da proposta. Exemplos, comuns e banais. Mas há de se extrair algo de tantas linhas tortas. Parece, que o tal amor sugere a existência de corações saudáveis. Coisa que não é sine qua non. Não fosse assim, Ferdinando já teria falecido. Por outro lado, há mentes insanas achando que estão amando. Eureca! Enfim, uma exclamação, duas! A mente, coordena os movimentos da musculatura estriada do organismo, aquela ligada aos ossos, significando condução da relação. É a maioria. Sendo assim, uma mente insana sugere um coração sem saúde. 
             Nesse balaio de higidez e enfermidades, pode se chegar à conclusão que a coisa não é tão óbvia assim. Os quatro corações apresentados, tiveram vidas afetivas completamente distintas. Talvez, não importe por quanto tempo um coração se aliene. Ou seja, por quantas vezes ele se entregue. Quem sabe seja interessante para a saúde geral, saber para quem ele faz isso. O outro corpo, a outra mente, o outro coração. Então, quer dizer que a saúde afetiva de A depende da saúde afetiva de B, que por sua vez também depende da saúde afetiva de A. Interdependência. Como A pode ser saudável, se ele mal conhece B? E vice-versa. Será que no meio da relação é que eles se tratam, se medicam, se curam? Ou seguem doentes por tempo indeterminado? 
              Penso que o coração saudável, é o que aprendeu a lição passada. Que fechou o caderno e o colocou na estante do sótão. Que dá chance ao amanhecer. Mas que não espera pelo sol. E que muito menos vai atrás dele. E quando vem o sol, não fica remoendo folhas antigas, já amarelas, manchadas pelos erros e frustrações. 
           Um coração saudável, portanto, é um coração novo. Limpo, zerado, virgem para o presente, livre do passado racional e emocional. Não importa sua idade, cronológica, e sim a biológica, no sentido de que o que a mente faz em prol dele, o coração. Talvez por isso os cientistas inventaram esta convenção. Pena que não divulgaram a contento tais experiências. 
            A idade do coração? O povo não sabe que os corações param de se desenvolver no fim da adolescência. Quem envelhece, é a mente. E não há idade para este processo de envelhecimento mental, pode começar na própria adolescência. Envelhece-se, a cada novo relacionamento em que se deposita coisas pretéritas. Rejuvenescer, depende somente de você, da sua capacidade de acondicionar o seu tempo no espaço devido. Como? Fazendo a assepsia total do órgão, durante e após cada relação. 
              A idade do coração, vai até dezenove anos, no máximo. Não importa a sua idade cronológica. Por isso falam em maioridade. Seu coração terá sempre dezenove anos. Daí pra frente, é você quem pensa... e você é o que você pensa. Ou seja, você é aquilo que faz com o seu próprio coração. 


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