Cartão-Resposta.
O concurso público. Um mosaico de
gentes. Cariótipos mil a campus aberto. Tem até os privatistas, aqueles fãs do
estado mínimo, atrás da carteirinha do funcionalismo total. Um fixo, é o que
todos pensam como mínima garantia de alegria; a felicidade está tão longe, o cargo a
um palmo do cartão. E as pessoas (porções de buracos-negros) vão entrando nas
salas, como se fossem planetas em algum sistema solar. A cada candidato
chegado, um mundo tão diferente quanto o físico. De comum, apenas as fisionomias
carregadas, uma tensão contida, naquela batalha pela profissional sobrevida. E
olhe que o salário não era muito, não. Mas sugeria-se que estava lá, todo fim
de mês. Tantas realidades querendo outra verdade. Lá fora, corpos se
desesperavam por entre os carros estacionados para não perder a hora, algumas
cabeças não entraram após o grito final. Coitada da moça obesa, parou no meio
do caminho: sentou-se no chão e pôs-se a chorar, maldito ônibus atrasado,
haveria de continuar em seu subemprego, não foi dessa vez a tentativa de mudança. Dentro do bloco,
envergonhados cabisbaixos escutam seus nomes & sobrenomes a receber a prova. Uma moça pediu
algum comprimido para dor de cabeça, nervosa que estava. No papel, perguntas
eliminatórias que não mediam conhecimento algum. Parecia que estavam ali por
obrigação, jamais para classificar aquelas gentes. Debruçados sobre elas, os
concorrentes fugiam do tema e pensavam o que estavam fazendo ali naquela praia,
aquele instante. A coisa é mesmo um círculo. Fora algumas exceções –
‘meritosas’ ou hereditárias – a prosperidade passou longe da assunção dos
ideais conquistados, mesmo que em parte. Não tem para todo mundo. Algo faltará
em sua vida, não importa a natureza. Então cumpre-se a direção da circunferência
circular e voltamos ao começo. Sem perceber, esquecemos que é assim com tudo.
Quase regredimos ao trabalho recém abandonado, aos amores de anteontem, à vã
procura do jacaré no lago. Esse tal de passado é uma escola que não termina de
nos ensinar, custamos a aprendê-lo. Havemos de ser fortes, e deixar essa
reminiscência apenas para os concursos. Provas que nada provam. Como marcar na
segunda coluna da planilha do Excel um produto que subiu onze percentuais? Sujeito que copiou/colou
uma questão dessas, merece guilhotina na praça Nossa senhora de Salette, lá
onde os professores sofreram tentativas de assassinato e ficou por isso mesmo.
Um ano do massacre, décadas de profissões, o Estado ainda é um porto com
segurança, embora questionável. Vale o registro de almas aflitas em trânsito, em busca
de dias melhores. Ele fez a prova em uma hora. Mas aqueles momentos anteriores
que a antecederam, representaram uma viagem no tempo. No tempo de cada cidadão,
o rosto com as marcas do que não se foi. Ele não precisava ser aprovado. Mas
foi muito triste ver que aquilo era uma saída para muitos. Saída, da própria
vida. Vida escolhida, não bem vivida. Quase uma hora para sair daquela
universidade. Quase uma geração para encontrar um pouco de estabilidade. Na
gangorra da existência, marcamos o X bem no meio, visando equilíbrio. No cartão,
as respostas que os outros inventaram para as perguntas que não fizemos. Melhor
seria termos perguntado lá atrás, se haveria sol no amanhã. Não, nós calamos e
seguimos alguma trilha, que também não fomos nós que abrimos. Que bom que a semana
não contém apenas domingos ou perguntas. Segunda-feira, é a primeira chance ou resposta
disso. Perdeu? Calma, tem mais cinco. E tem toda semana. Ali perto do bloco
novo, um antigo e tombado padoque, onde corriam cavalos...
Nenhum comentário:
Postar um comentário