sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Crônica Cotidiana 41



Consciência Nelore 
Na manhã da fisioterapia. Uma sala de espera tipicamente curitibana: doze bancos, cada um que vai chegando senta o mais longe possível de quem já está. São “margens de segurança” fictícias, coitados dos últimos que obrigatoriamente terão que se acomodar ao lado de outro organismo também doente, seja por sinergia ou tosse permanente. Ali, alguns de nós. Porque todos nós precisamos de algum tipo de fisioterapia. 90%, de alguma cirurgia oral, todos. Dentro do salão, um recorte da turba dos necessitados, remexendo-se na tentativa de voltar ao que era antes. Ou ao que nunca houvera sido. Corpos sentados, deitados, em diagonais. E muita tosse, muita. Toda metrópole, oferece onerosamente a poluição aos seus integrantes. Ainda não se sabe se adquirimos voluntariamente as patologias decorrentes dela ou não. Ninguém quer ficar doente, mas era só ir embora daqui para um lugar com ar mais puro, livre de etos, ônios, itos e principalmente óxidos, essa tabela periódica quase visível ou tangível aos nossos sentidos. Insistimos em permanecer assim. Jogam-se pseudo-argumentos no ar, como aquele que diz "a água do chimarrão não ferve viu", mas o câncer de esôfago continua (l)indo. A TV ligada no jornal dominante não por moda, mas pela antiga submissão ao controle social. Anunciava a morte de um famoso, afogado, coisa que acontece semanalmente nas cavas da região metropolitana com os desconhecidos, os espectadores não anunciados, no máximo marcados com tiras de plástico envolta do hálux nos gavetões do Instituto, o último carimbo de plunct plact zun: pode partir sem problema algum. Uma senhora resmungava sobre alguém, dizendo ser “um dos piores bandidos da política”, ignorando o fato dele ter alocado os tributos sobre o trabalho do marido dela para satisfazer as necessidades básicas de sua fiel e decenária empregada doméstica que foi embora há mais de dois anos, não só do subemprego, mas da atividade para melhor. Fora a ex-patroa - que tossia sem a mão na frente, cujo carro ficava lá fora ocupando duas vagas de idosos e sem credencial - o resto parece do bem. Ao menos, não se via nem ouvia ódio escorrendo pelas comissuras labiais. Entre pesos e cordas, bolas e faixas, fios e géis, profissionais e pacientes se entrelaçam (os donos não investiram mais em infraestrutura, a quantidade de pacientes lhes era satisfatória) como numa colmeia sem Rainha, ela fora deposta alguns meses antes por uma turma de marimbondos a serviço de ursos setentrionais e por intermédio de ratazanas locais, sem revolução dos bichos. No colchonete azul-calcinha, caraminholava eu até que ponto somos racionais. Recuperamos o movimento físico, desprezando o respiratório. A demografia por m² do imóvel era alta, janelas abertas retirando eventuais odores de pés e meias mal cuidados, de axilas sem manutenção. Só não levava embora o hálito do mal nas palavras da odiosa senhora, representando figuradamente a impossibilidade de emancipação social devido à inconsciência de boa parte dos seres sobre a coisa pública. Lá fora, o ar da republiqueta é impróprio para gente cívica, a desordem foi geral. A fisioterapeuta fazia ultrassom em meu joelho esquerdo, de olho nos outros cinco pacientes que comandava ao mesmo tempo. Viés curativo, esse é o atualíssimo drama nacional, sem ênfase na prevenção, na conscientização e no progresso. Alienar tudo, até que não exista mais nenhuma clínica pública, todos estejam adestrados pelo jornal da TV, pelas grandes corporações internacionais e pelos grupos de saúde privada, restando somente a manada, pagando por tudo e aguardando na fila do abate social. Sua colega de trabalho sorriu para alguém, ela tinha fetiches por pacientes de meia idade. Meu fetiche se foi. Era por uma sociedade mais sadia... 


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