Carta
ao Amor Desconhecido
Oi.
Eu vou lhe contar que você não me conhece. Também não lhe conheço, mas sei de
sua existência. Só não consigo imaginar onde você mora. Em qual parte do mundo
você vive, assim como eu. “Assim como eu”, porque somos parecidos no que é ou
seria necessário. E porque somos diferentes naquilo que podemos ou poderíamos
ser. E por não nos conhecermos, sei que você vive à minha maneira. Viver à
nossa maneira, é viver a solidão. É ter conhecido algumas pessoas com as quais
nos relacionamos afetivamente, e não ter dado certo. Tivemos que abrir mão de
individualidades fundamentais para continuar levando cada relação, você aí e eu
por aqui. Nos doamos mais do que deveríamos, em prol do que a cultura ocidental
chamou de felicidade conjugal mesmo que em união estável. Aquela tradição
relacional em ter alguém para dividir cama e banho, aventuras e procriação,
ganhos e despesas. Sim, nós escolhemos muitas, todas as pessoas erradas. Mas
foi só porque ainda não sabíamos de nossa existência, paralela e misteriosamente distante, ignorando os quilômetros que nos separam. Depositamos em determinados
indivíduos a nossa confiança enquanto pessoa, a nossa crença como companhia, as
nossas dúvidas, nossos segredos, verdades e mentiras. Mas sempre tropeçamos, quando
vemos, estamos novamente a sós, até porque não projetamos o futuro dessas
relações, nos ocupamos mais de seu presente. Faz parte do caminho humano, errar
afetivamente. Deixamos que o coração bobo se leve sem muita consciência da coisa,
e fazemos do próximo da vez um ser muito mais íntimo do que ele merece. Nem
importa quantas vezes nem quais motivos nos levaram a nos relacionarmos com os outros. Mas eu e você, somos
peculiares. Entramos nos relacionamentos com pé e braço atrás. Temos,
nós dois, cada qual sua reserva legal de autoestima, que nos permite a todo fim de envolvimento afetivo, sairmos bem mais ilesos do que a grande maioria. Temos uma
capacidade de discernimento, lapidada no tempo em reconhecer o nosso espaço e
aquele que tem ou não tem reciprocidade para ficar ao nosso lado. E assim vamos
vivendo. Ora começando, continuando ou encerrando relações; ora
permanecendo isolados, sem ninguém no ombro, no peito e no colo. Confesso à
você, que minha fase otimista (pra não dizer fantasiosa) já se encerrou há
muito, se é que eu tive um dia esse tipo de ambição. Hoje, me encontro com tamanha solidez em meus conceitos, que até minha técnica em transgredi-los não
consegue ver noutra pessoa, um porto seguro. Não pela outra mulher, seja quem for, mas somente
por mim. A questão é minha, individual, eu não consigo amar alguém. Minhas
tentativas acabaram ou no adeus precoce ou na cama. Eu não acredito no amor. E depois
de tanta conscientização, vim a saber de sua existência. Pensei que talvez,
tenhamos cruzado nosso caminho, mas não aproveitamos a chance. Num parque, numa
praia, num evento. Em qualquer lugar, quase nos encontramos. Mas não. Pode ser
também, que moremos realmente distantes um do outro. Eu, de você, meu grande
amor. E por não lhe conhecer, não acredito em outro amor. Já passou tempo demais, o desperdiçamos. Claro, que não haveria necessidade alguma de sair
procurando, nós nos conheceríamos, caso estivéssemos mesmo perto um do outro,
com a maior naturalidade, sem acasos. E o mundo físico não foi generoso
conosco. Sem lamentos – pois quem leva consigo certezas não tem direito de
reclamar ou entristecer – venho por meio desta dizer que estou mais feliz na
tarde de hoje. Saber que você está vivendo aí, no seu canto, um pedaço afastado
de mim, que se estivesse junto nos levaria à tal felicidade, é muito bom. As
pessoas reclamam demais. Eu não, agradeço o pouco que tenho, o muito que sei e
o quanto eu quis a vida. Só mesmo o tempo para trazer tal revelação, e as suas consequentes
respostas. Razão, explicando todos os desencontros e os enganos, as diferenças
e as indiferenças, as discussões e os silêncios: tudo assim porque não era com
você. A partir de hoje, o amor em minha vida, estará representado por uma
estrela diurna em meu céu. Não posso vê-la, mas sei que está lá. Vem de você a
luz que eu tanto imaginava. Em forma de pensamento, de música ou de poesia,
você ilumina minha solidão. Pobre daquele cuja solidão é breu. Não eu. Eu, que
não posso dizer que lhe amo, pois você não escutará. Mas eu sei que é assim,
você sente o mesmo por mim. E nessa loucura estelar ou dimensional entre dois
corações, eu me despeço com um desejo de muita saúde e dias melhores para você.
Meu amor desconhecido, você é parte secreta da minha história: eu fiz jus à sua
existência. Muitos beijos. Cuide-se bem. Pena, que eu não vi o seu rosto. Talvez
ele tivesse a cara do meu filho que não veio...
Oração ao Tempo
de Caetano, por Djavan
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