A indigência não é opção. É conseqüência de quem não teve escolha, leia-se oportunidades, chances ou coisas do gênero. A saída foi a única saída, em direção às margens do que nunca seriam. Mas o pior é que não se vai embora, resta-se a perambular pelas valetas da sobrevida sem sobrenome, sem documentos mas muitos lenços. Peregrinos sem cajado, menestréis sem violão, ou andarilhos sem sapatos: nada além, apenas indigentes. Mas bastante aquém das calçadas, do álcool e da miséria humana. Mas...de onde provém esta miséria? Qual a outra ponta dos cordões umbilicais cotidianamente rompidos, que outrora geraram a miserabilidade então nascida sobre os granitos gélidos onde pisamos sem dó?
Sim, há genitores, cuja linhagem não é genética. Nós somos, todos, também produtos de um meio, seja ambiente, social ou de cultura bacteriana. E é justamente este meio que determina as condições para que se defina quem será, é ou foi indigente. Sub-produtos humanos, resultado da inércia dos homens públicos, os quais preocupados estão com seus três carros, suas composições partidárias e as próximas legislaturas, apenas e unicamente. Não há, sob hipótese alguma, a concepção do que seja alteridade, jamais imaginada fora do período eleitoral. A democracia tem sua representatividade ressuscitada do primeiro dia da disputa eleitoral até a assunção do cargo. Após, falece em comoriência com programas e plataforma de campanha, dos quais nem vimos a cor. E não existe assunção de culpabilidade – homens públicos não são homens – a regra é delegar responsabilidades às gestões anteriores. No máximo, políticas assistencialistas voltadas para as conseqüências, mascarando as eternas causas, como que podando a árvore podre. O não reconhecimento dos desiguais, inobstante sejam a maioria, deturpa prioridades e consolida o que se chama de vontade política, mas uma vontade maniqueísta no sentido de manter o status quo dos mesmos e por muito tempo, inamovíveis na pirâmide social. Fazem, os homens públicos, uma clivagem social como se os miseráveis (segundo eles) estejam distantes de nós, atribuindo que a realidade alheia advém de suas condutas ou comportamentos dolosos.
Sim, eles (homens públicos) são co-autores da miséria, mas uma miséria que é inoculada na sociedade. Aí então, quando eu vejo um indigente na calçada, fotografo e me pergunto o que farei. Jogar a imagem numa rede social qualquer de nada adianta. Porque os homens públicos estão às margens das redes sociais. O quê? “Às margens”? Eureca! Os verdadeiros marginais são eles, os homens públicos! Os indigentes estão ainda inseridos em nosso meio social, tanto que nos encontramos com eles diariamente. Alguém encontra freqüentemente os homens públicos? Claro que não, porque eles estão à margem, por serem eles os marginais! Percebe-se claramente que a mudança do ponto de vista traz outra perspectiva, às vezes (como neste caso) totalmente diferente do costume. Isto mesmo, temos a mania de achar que nós elegemos pessoas suficientes capacitadas para cumprirem seus mandatos. Vamos nos deslocar da nossa poltrona de recebimento passivo de informações para qualquer outro ponto de nosso raciocínio, criando novas angulares, novas possibilidades, ou novas perspectivas. Isto é um procedimento fundamental, o qual pode ser empregado em qualquer setor na vida de relação. Caminhar, para observar melhor e concluir como se deve. Nós, porque nossos indigentes só perambulam. Mortos-vivos, cujos direitos se foram há tempos.
Sim, estes necessitam de reinserção social. Mas o poder público prefere que eles faleçam de morte natural: naturalmente provocada pela omissão dos próprios governantes. Porque sobram recursos para o marketing, que não é institucional, e sim pessoal, de olho nas próximas eleições. Onde os votos dos indigentes não se farão necessários, posto que já estão manipulados pelo destino. Enquanto isto, os ideologicamente marginais agradecem, pois nada os atinge. Do topo da pirâmide, saúdam a natureza pacífica e conservadora dos brasileiros, que só saem às ruas em prol da legalização de entorpecentes, para relaxar durante as entressafras de sufrágios. Povo sem mobilização, despolitizado, vota às escuras, sem argumentos, prostituindo sua representatividade aos cafetões do erário público.
Lá se vão 24 anos da Constituição Cidadã, e os nossos índices de desenvolvimento humano são precários. O paradigma da corrupção é ostensivo: impunidade sempre, criminalidade também. Partícipes viajam subitamente para os EUA. Autores se escondem atrás de prerrogativas parlamentares. A mídia, não acusa quem a ela convém. Eu, não sei o que fazer, além de bater fotos e ser reminiscente. O problema é fundamentalmente de cunho educacional. Porque os eleitos não têm formação humana para o trabalho. O inverno se aproxima, um sem número de vítimas não resistirá. Um sem números de nós resistirá e permanecerá indiferente. Os homens públicos ignoram o que deveria ser notícia. Porque eles não andam nas ruas. Não pisam nas calçadas. Sequer fotografam a realidade. De tão distantes da população, os homens públicos tornaram-se, em hodierna concepção, os verdadeiros marginais. Enquanto estes que se penduram em seus cargos não sabem o que fazer, aqueles que carregam o estereótipo não sabem para onde ir…
[É preciso mudar a natureza do discurso, se se quiser deixar de ser pobre. Eu, quis.]
“JORNAIS”
NENHUM DE NÓS
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