Deixem a Lua
- Ei! Aonde vocês
pensam que vão? Caiam fora! Sumam daqui!
Que absurdo! Falta
Q-Boa para limpar o tanto de egoísmo dessa gente! Todos eles. Os casados e os
estáveis de união, os noivos e os namorados, todos sem exceção. Falo desses
pares anunciados e estampados na cara seus relacionamentos. Não bastasse seu
romantismo, ainda querem se apoderar da Lua Azul! Não compreendem que isto é um
fenômeno próprio, particular, reservado aos solitários sem amor! Querem se
adonar da natureza como um todo, atribuindo símbolos e representações até aos
episódios naturais raramente manifestados, chamando para sua condição, aquilo
que não é seu. Do que precisam mais esses insaciáveis amantes? Não estão
satisfeitos com a própria relação em si, necessitando buscarem nos mais
variados confins dos acontecimentos, subterfúgio para justificar sua
permanência de afetos? Apontam tudo, puxam tudo, agarram tudo... compram tudo,
comem tudo, bebem tudo...escondem tudo, anunciam tudo, gritam tudo...que
inferno de nexos causais artificiosos, meu santo daime! Sequestram as quatro
Luas durante todo o espaço, e agora, quando a quinta versão surge para o alento
das solidões, lá vem eles com suas bandeiras de meu bem. Ladrões de astros,
bandidos do universo inteiro vocês são! Fora! Respeitem o que é dos outros! A
Lua Azul é nossa, dos solitários, dos desiludidos do amor, daqueles que
carregam o desamor na consciência, pois o coração permanece e resiste vazio.
Dos que acordam sem as auroras. Que passam o dia sem um sorriso ao lado. A
tarde sem o por do sol. E que atravessam a noite sem as estrelas, pois nem aquelas
quatro luas nos pertencem. Dos que nem imaginam perfumes, danças, passeios,
viagens, chamegos e cafunés. Como aquele que nada espera de um aceno, mas faz o
gesto. Que não aguarda um telefonema, uma mensagem, um sinal, mas manda aviso.
Aquele que não pergunta e mesmo assim não é perguntado. Que desconhece o que
seja reciprocidade ou feed-back. Ignora o que poderia ser um convite ou um
chamado. São os que guardam flores, poesias e presentes na vontade natimorta da
entrega. São os que acorrentam a voz. Amordaçam as ideias, amarram os braços e os
abraços. São os que ressecaram os beijos e se esqueceram do sexo. Também os que
não transportam esperança do que nunca virá, saudade do que nunca foi, e sonhos
do que jamais poderia ser. Encostar na parede, acariciar o rosto com o dorso dos
dedos, contornar a boca entreaberta, e sentir a tez dos lábios até o sabor da outra
boca: impossível. Enfim, são os que ‘eutanasiaram’ a companhia. Conhecem-se por
sentinelas da emoção ausente, velando inférteis sensações em seus imensos e desérticos
jardins. Mas eles são gentes, não obstante seu modus de não ser, apenas estar. Por isso, mais uma vez,
respeitem-nos, e afastem-se da Lua Azul. Momentos de suspiros, quando do céu parte
uma energia dirigida aos desfavorecidos do amor. Só para eles. Agradeço em seu nome, razão de nossa defesa. Pois devemos cuidar na nossa imaterialidade. É só ela que
nos sustenta, mantém, suporta, faz sobrevida. Sabe-se lá quando surgirá tal
evento novamente. Pronto, já não há mais ninguém por aqui. Fugiram assustados para
os seus lares de conveniências. Olho para ela, a Lua Azul. Vejo enfim, que a vida
vale a pena. O cosmo não faria sentido apenas com um Sol amarelo e uma Lua branca.
Depois de amanhã, não esperaremos pelo Sol Negro. Porque nós não esperamos nada
que não seja naturalmente nosso. Virá o eclipse, tão rápido quanto a Lua Azul. Então,
a indignação se desfaz. É hora de ir para a cama. Mais uma noite de sonhos descoloridos,
desta existência dominante em sépia sensibilidade...
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