quarta-feira, 12 de agosto de 2015

I FEEL MYSELF - Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)


 Eu não sei me despedir. 
 Nem dos lugares, nem das pessoas nem das coisas que gostei. 
 Então eu recorro por socorro à Literatura, que é filosofia em exercício, pura reflexão. 
 Exemplificação e identidade, que esta poesia traz e traduz. 




Se Eu Morrer Novo 
Fernando Pessoa 
(Alberto Caeiro) 


Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, ouçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído. 


Milton Nascimento, 
disse uma vez: "certas canções que ouço / cabem tão dentro de mim / que perguntar carece / como não fui eu que fiz..." 
Eduardo, 
transfere isso para essa poesia, pois mais do que simples identidade, é a minha síntese. 
E como é bom a gente poder um dia, chegar à conclusão dessa nossa existência...a gente se alivia...se eleva...flutua...flui...correnteza que enfim conduz ao delta...portanto, não há mais por que chorar: o desamor, é apenas uma outra escola de aprendizado...uma exegética que eu não sabia ser fundamental...um destino que eu não previa...um sonho que morreu...e meu papel nessa história toda própria, foi apenas sobreviver: então, viva a minha descoberta! 



terça-feira, 4 de agosto de 2015

Terapêutica Urtigão


A dor de cabeça insiste. Persiste, quer morar em definitivo. Se é pela pressão, eu não sei. Ou pela visão, não importa. E não há ninguém por aqui pra dizer que dói. Nem ninguém pra ver que é dor. É numa hora dessas, mesmo raro, que eu tenho vontade de abandonar a solidão. Assumir a infidelidade e fazer questão de que ela saiba da traição. Pois solidão que se preze, não pode ter ciúme. Dane-se, ela. Eu só queria ir embora daqui. Embora desses anos tortos, vazios, ocos, escuros, silenciosos, ermos, desérticos de companhias quaisquer. Tempos e espaços que eu preencho com estórias, palavras, imaginações, viagens, ficções que sempre me trazem de volta ao fim que não tarda. A autonomia, a independência e todas as outras coisas de mundos individualistas, parecem desabar do meu alto pedestal erguido à consciência e lágrimas, quando retorna a dor de cabeça. Talvez um operador de branco dissesse que é dor referida do coração, ou ainda dor reflexa de algum órgão distante. Isto é, outros pontos neste organismo estariam irradiando sensações álgicas a manifestarem-se longe do seu lugar de origem. Não. Eu me conheço. Tenho saúde. E um bocado de cefaleias idiopáticas. Neosaldina, minha única droga fora a vida assim. O eremita paga muito caro por seu isolamento, o solitário mais ainda pelo seu distanciamento. É hora em que a paz descompensa. Sim, pois nem tudo no mundo é absoluto, as convicções também fazem parte do mundo. Relatividade que eu repito refletir em pontadas na nuca, fisgadas nas têmporas, pressões occipitais. Não dura muitos dias, no máximo uns três. Se eu tivesse um colo, talvez terminasse no mesmo dia. Mas eu sou convicto. Eu sou mundano. Sou relativo às vezes. Quase nunca. Mas é agora. Somente um colo, nada mais que isso. Um lugarzinho para deitar a fronte e ganhar a dádiva de um cafuné. Alguns minutos de toque e sensibilidade. Que eu receberia como força divina para voltar à minha soberana razão, de me manter sobrevivendo longe de emoções de toda natureza. Este, é o meu principal defeito: não tenho ambição afetiva. Meu desejo, é o mínimo que alguém poderia me dar. Se eu quisesse mais, talvez eu não tivesse dores de cabeça. Não escutaria dos homens de branco, diagnósticos sobre coração... 





2º Circo Poetry


 pensamento 
 livro a folhear páginas 
 mas como, 
 se algo ainda não aconteceu... 
 seriam páginas em branco? 
 ou só há pó na estante... 


 todos eliminam 
 seu alimento processado.. 
 poucos fazem isso 
 com seus desamores 
 estes, 
 são os imprescindíveis... 


 noites em claro 
 vida obscura 
 inversões 
 de ambientes e sensações 
 tudo isso assim, 
 e um coração no meio da história.. 
 se não for um herói 
 é um morcego se fingindo de gente. 


 toda luta tem seu limite, 
 que é o final. 
 os desencontros também têm, 
 mas fica bem no começo. 
 entre eles, 
 uma coisa chamada ilusão... 


 vida escolar 
 cortam a cartolina do passado 
 apagam as provas do presente 
 desenham o caderno do amanhã 
 mesmo faltando tantas cores no penal... 


 eu mato a poesia 
 a cada trinta dias 
 e depois de mais quatro, 
 ela volta 
 porque eu não mato 
 eu apenas, 
 perco desiderato... 


 vejo gente perdida 
 mas... 
 como será que me veem? 
 se eu tenho certeza que já me encontrei 
 mesmo que eu não esteja em nenhum lugar.. 
 eu estou no meio daquela gente 
 todos sem saber onde vai dar...


 fujam dos poetas 
 são catadores de rua 
 das emoções recicláveis descartadas, 
 para que tenham outro destino.. 
 é desumana a segregação social 
 mas é vergonhoso ter medo dos alquimistas... 


 não envelheço 
 porque não morro 
 o que se acaba, 
 está ao meu redor 
 ou esteve longe 
 ou nunca existiria... 


 não é a angústia que me traz aqui, 
 nesta prancheta 
 é que não sei desenhar.. 
 mas eu sei dançar 
 e isso não adianta bosta nenhuma... 


 quanto menos móveis na casa 
 menos espaços há para móveis... 


 a cabana.. 
 é como um rio ao longe 
 meus animais pressentem 
 estamos perto, 
 ...do fim. 



domingo, 2 de agosto de 2015

Tribuna Inestóica




 Deixem a Lua 

- Ei! Aonde vocês pensam que vão? Caiam fora! Sumam daqui! 
Que absurdo! Falta Q-Boa para limpar o tanto de egoísmo dessa gente! Todos eles. Os casados e os estáveis de união, os noivos e os namorados, todos sem exceção. Falo desses pares anunciados e estampados na cara seus relacionamentos. Não bastasse seu romantismo, ainda querem se apoderar da Lua Azul! Não compreendem que isto é um fenômeno próprio, particular, reservado aos solitários sem amor! Querem se adonar da natureza como um todo, atribuindo símbolos e representações até aos episódios naturais raramente manifestados, chamando para sua condição, aquilo que não é seu. Do que precisam mais esses insaciáveis amantes? Não estão satisfeitos com a própria relação em si, necessitando buscarem nos mais variados confins dos acontecimentos, subterfúgio para justificar sua permanência de afetos? Apontam tudo, puxam tudo, agarram tudo... compram tudo, comem tudo, bebem tudo...escondem tudo, anunciam tudo, gritam tudo...que inferno de nexos causais artificiosos, meu santo daime! Sequestram as quatro Luas durante todo o espaço, e agora, quando a quinta versão surge para o alento das solidões, lá vem eles com suas bandeiras de meu bem. Ladrões de astros, bandidos do universo inteiro vocês são! Fora! Respeitem o que é dos outros! A Lua Azul é nossa, dos solitários, dos desiludidos do amor, daqueles que carregam o desamor na consciência, pois o coração permanece e resiste vazio. Dos que acordam sem as auroras. Que passam o dia sem um sorriso ao lado. A tarde sem o por do sol. E que atravessam a noite sem as estrelas, pois nem aquelas quatro luas nos pertencem. Dos que nem imaginam perfumes, danças, passeios, viagens, chamegos e cafunés. Como aquele que nada espera de um aceno, mas faz o gesto. Que não aguarda um telefonema, uma mensagem, um sinal, mas manda aviso. Aquele que não pergunta e mesmo assim não é perguntado. Que desconhece o que seja reciprocidade ou feed-back. Ignora o que poderia ser um convite ou um chamado. São os que guardam flores, poesias e presentes na vontade natimorta da entrega. São os que acorrentam a voz. Amordaçam as ideias, amarram os braços e os abraços. São os que ressecaram os beijos e se esqueceram do sexo. Também os que não transportam esperança do que nunca virá, saudade do que nunca foi, e sonhos do que jamais poderia ser. Encostar na parede, acariciar o rosto com o dorso dos dedos, contornar a boca entreaberta, e sentir a tez dos lábios até o sabor da outra boca: impossível. Enfim, são os que ‘eutanasiaram’ a companhia. Conhecem-se por sentinelas da emoção ausente, velando inférteis sensações em seus imensos e desérticos jardins. Mas eles são gentes, não obstante seu modus de não ser, apenas estar. Por isso, mais uma vez, respeitem-nos, e afastem-se da Lua Azul. Momentos de suspiros, quando do céu parte uma energia dirigida aos desfavorecidos do amor. Só para eles. Agradeço em seu nome, razão de nossa defesa. Pois devemos cuidar na nossa imaterialidade. É só ela que nos sustenta, mantém, suporta, faz sobrevida. Sabe-se lá quando surgirá tal evento novamente. Pronto, já não há mais ninguém por aqui. Fugiram assustados para os seus lares de conveniências. Olho para ela, a Lua Azul. Vejo enfim, que a vida vale a pena. O cosmo não faria sentido apenas com um Sol amarelo e uma Lua branca. Depois de amanhã, não esperaremos pelo Sol Negro. Porque nós não esperamos nada que não seja naturalmente nosso. Virá o eclipse, tão rápido quanto a Lua Azul. Então, a indignação se desfaz. É hora de ir para a cama. Mais uma noite de sonhos descoloridos, desta existência dominante em sépia sensibilidade...