sábado, 2 de agosto de 2014

Flagrantes da I-n-t-e-r-s-u-b-j-e-t-i-v-i-d-a-d-e


- “Mas diga-me lá, meu rapaz...costuma viajar pra fora? Que países conhece?” 

- “Não. Eu costumo viajar pelo interior. O interior é um lugar maravilhoso. Eu vivo indo pra lá.” 

- “Ah, mas você precisa conhecer outros países meu caro, não sabe o que está perdendo.” 

 - “Perda, é algo muito relativo meu senhor. Penso que não se pode perder o que não se tem." 

- “Então, é isso mesmo que eu digo, tem que ir pra lá para ter alguma coisa. A relatividade é uma questão de espaço.” 

- “Não penso assim. Quando uma coisa é mais relativa que a outra, isso torna-se absoluto, daquela coisa em relação a esta outra.” 

- “Meio confuso, não?” 

- “Não.” 
 (tempo de pausa para ininteligibilidade)... 

- “Então, vamos nos limitar já que a ocasião sugere. Que lugares conhece por aqui? Campo Grande? Brasília, Manaus?” 

- “Bem...eu repito que eu prefiro o interior.” 

- “Mas por que esta predileção interiorana, de mentalidade rural, ligeiramente tardia em relação a nós? Vai de camionete, eu presumo!” 

- “Quanto ao veículo, também não. É tão simples caminhar pela grama, mas as pessoas preferem ir pelo asfalto. Porque ele é mais firme, não é escorregadio, e vai-se mais rápido. Assim, ignoram a beleza da paisagem..." 

 (tempo de pausa para irritabilidade, ainda do inquiridor) 

- “Quanto à preferência...sabe, meu caro...porque lá no interior é outro mundo. Um mundo totalmente diferente. Lá não tem fronteiras, porque não há distâncias. E por não haver espaço, não há tempo. Existe apenas clima, quase sempre agradável. Pois quando há tempestade, ela passa por cima, não cai. E neste clima com excelência de paz, a gente pode tudo. Se quer exemplos...lá, a gente pode caminhar à vontade e seguro. Encontrar quem a gente quer, embalada na rede da varanda numa casinha de campo à beira do riacho. A gente pode encontrar quem a gente quer, sentada na mesa da cozinha tomando um café tipo exportação feito no bule sobre o fogão à lenhaEncontrar quem a gente quer, entocada num cômodo isolado artesanando seu ofício ajudando a sustentar de pão, água e luz todos os outros ambientes. A gente pode encontrar quem a gente quer, estirada num sofá escutando música de preto convidando pra levantar e dançar junto. Encontrar quem a gente quer, refastelada numa cama lendo um livro de cabeceira de um poeta fugidio. E a gente pode encontrar quem a gente quer, parada ao nosso lado de mãos dadas aguardando o próximo passo no caminho da felicidade. Geralmente, quem a gente quer, lá não está em movimento. A razão disso, não se sabe exatamente...

- “Que lugar meio estranho, não?” 

- “Para mim, é extremamente familiar.” 

- “Onde fica isso?” 


- “No meu interior. No interior do meu organismo. Eu adoro viajar entre a planície dos meus pensamentos e o plano alto do meu coração.” 



 MÚSICA INCIDENTAL  -  "INIMAGINÁVEL"  /  TROY ROSSILHO 




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