- “Mas diga-me lá,
meu rapaz...costuma viajar pra fora? Que países conhece?”
- “Não. Eu costumo
viajar pelo interior. O interior é um lugar maravilhoso. Eu vivo indo pra lá.”
- “Ah, mas você
precisa conhecer outros países meu caro, não sabe o que está perdendo.”
- “Perda, é algo muito relativo meu senhor.
Penso que não se pode perder o que não se tem."
- “Então, é isso
mesmo que eu digo, tem que ir pra lá para ter alguma coisa. A relatividade é
uma questão de espaço.”
- “Não penso
assim. Quando uma coisa é mais relativa que a outra, isso torna-se absoluto,
daquela coisa em relação a esta outra.”
- “Meio confuso,
não?”
- “Não.”
(tempo de pausa
para ininteligibilidade)...
- “Então, vamos
nos limitar já que a ocasião sugere. Que lugares conhece por aqui? Campo
Grande? Brasília, Manaus?”
- “Bem...eu repito
que eu prefiro o interior.”
- “Mas por que
esta predileção interiorana, de mentalidade rural, ligeiramente tardia em
relação a nós? Vai de camionete, eu presumo!”
- “Quanto ao
veículo, também não. É tão simples caminhar pela grama, mas as pessoas preferem
ir pelo asfalto. Porque ele é mais firme, não é escorregadio, e vai-se mais
rápido. Assim, ignoram a beleza da paisagem..."
(tempo de pausa
para irritabilidade, ainda do inquiridor)
- “Quanto à
preferência...sabe, meu caro...porque lá no interior é outro mundo. Um mundo totalmente
diferente. Lá não tem fronteiras, porque não há distâncias. E por não haver
espaço, não há tempo. Existe apenas clima, quase sempre agradável. Pois quando
há tempestade, ela passa por cima, não cai. E neste clima com excelência de
paz, a gente pode tudo. Se quer exemplos...lá, a gente pode caminhar à vontade
e seguro. Encontrar quem a
gente quer, embalada na rede da varanda numa casinha de campo à beira do
riacho. A gente pode encontrar
quem a gente quer, sentada na mesa da cozinha tomando um café tipo exportação
feito no bule sobre o fogão à lenha. Encontrar quem a gente
quer, entocada num cômodo isolado artesanando seu ofício ajudando a sustentar de pão, água e luz todos os outros ambientes. A gente pode encontrar quem a
gente quer, estirada num sofá escutando música de preto convidando pra levantar
e dançar junto. Encontrar
quem a gente quer, refastelada numa cama lendo um livro de cabeceira de um
poeta fugidio. E a gente pode encontrar quem a
gente quer, parada ao nosso lado de mãos dadas aguardando o próximo passo no
caminho da felicidade. Geralmente, quem a
gente quer, lá não está em movimento. A razão disso, não se sabe exatamente...
- “Que lugar meio
estranho, não?”
- “Para mim, é
extremamente familiar.”
- “Onde fica
isso?”
- “No meu
interior. No interior do meu organismo. Eu adoro viajar entre a planície dos meus pensamentos e o plano alto do meu
coração.”
MÚSICA INCIDENTAL - "INIMAGINÁVEL" / TROY ROSSILHO
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