terça-feira, 27 de novembro de 2012

AUTORALLIA << De coração / por Bertold Brown


DE CORAÇÃO
Pratos de louça branca bem acomodados nas prateleiras do armário. Cristais transparentes ornam com destaque reluzente nos espelhos do móvel de beber. O sofá duplo impecavelmente arrumado em frente ao televisor de última geração, sobre um sistema de som de alta tecnologia. Duas cadeiras de estilo avançado completavam a confortável e sugerida hospitalidade. Ao lado, uma mesinha de canto e o belo abajur de um designer qualquer. No centro da sala, o lustre portentoso e classicamente moderno, a obedecer com precisão ao mais sensível sinal do interruptor. Na grande estante, algumas fotos do passado recente. Um enorme tapete oriental de uma só cor esparramava-se pelo ambiente suportando uma mesa de centro baixa. E a parede de grafiato dava o toque final ao aconchego. Enfim, um ambiente receptivo de muito bom gosto. Mas havia uma questão: as cortinas permaneciam fechadas. Então, não entrava luz natural, prevalecendo a resistência das lâmpadas supletivas ao calor humano. De que vale tal conforto, se não existe o que haveria por dentro. Do espaço vazio se fez hábito e foi assim que as cortinas não mais precisaram ser abertas. O sol não veio. Sem necessidade, porque o amor se foi há tempos. Numa cidade povoada de vácuos afetivos, ausente de emancipações espirituais. Tantos e tantos lares que voltam a ser simples imóveis, e as pessoas hoje ainda habitam como se fosse ontem. Porque, muito além das cortinas, desconhece-se que estão as janelas. Além disso, ignora-se que do outro lado do portão, pode estar a vida...

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