DE CORAÇÃO
Pratos de louça branca
bem acomodados nas prateleiras do armário. Cristais transparentes ornam com destaque reluzente nos
espelhos do móvel de beber. O sofá duplo impecavelmente arrumado em frente ao
televisor de última geração, sobre um sistema de som de alta tecnologia. Duas
cadeiras de estilo avançado completavam a confortável e sugerida hospitalidade. Ao lado,
uma mesinha de canto e o belo abajur de um designer qualquer. No centro da
sala, o lustre portentoso e classicamente moderno, a obedecer com precisão ao mais
sensível sinal do interruptor. Na grande estante, algumas fotos do passado
recente. Um enorme tapete oriental de uma só cor esparramava-se pelo ambiente
suportando uma mesa de centro baixa. E a parede de grafiato dava o toque final ao aconchego. Enfim, um ambiente receptivo de muito bom
gosto. Mas havia uma questão: as cortinas permaneciam fechadas. Então, não
entrava luz natural, prevalecendo a resistência das lâmpadas supletivas ao
calor humano. De que vale tal conforto, se não existe o que haveria por dentro.
Do espaço vazio se fez hábito e foi assim que as cortinas não mais precisaram
ser abertas. O sol não veio. Sem necessidade, porque o amor se foi há tempos.
Numa cidade povoada de vácuos afetivos, ausente de emancipações espirituais.
Tantos e tantos lares que voltam a ser simples imóveis, e as pessoas hoje ainda
habitam como se fosse ontem. Porque, muito além das cortinas, desconhece-se que
estão as janelas. Além disso, ignora-se que do outro lado do portão, pode estar
a vida...
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