E enfim, ele
saiu do mundo. Rompeu a bolsa, quebrou a casca, derrubou o portão, como
quiserem. Saiu daquilo que pensava que era o mundo. Mas não, aquilo não era o
mundo inteiro, era apenas o seu mundo, o mundo só dele e o pior: dele só. A tradição,
a conjuntura, as circunstâncias, todas essas banalidades que elegemos
fundamentais por educação, caíram então por terra, de tão leves e emboloradas,
não tarda descobrirmos seu caráter acessório, compatível com o plano das
justificativas. Seriam os deuses astronautas ou seria aquilo o que chamam de
viver? Sobre o viver, em seu caso, era mesmo uma justaposição: sobrevida. Um sol
amarelo, um céu acinzentado e um verde desbotado em vida praticamente black-tie.
Sem cores, a natureza ao seu redor de tão surreal lhe parecia uma ficção. Um imaginário
com tons de pesadelo, o sono também era fuga. E como fugir de um labirinto cuja
construção teve uma só porta e de entrada? Até que a rotina cravou punhal na
consciência, e ele viu o próprio sangue no chão do pensamento. Olhou pela janela, e viu todos que abandonara ao jamais, ali estavam, à beira do porvir. Era hora da
mudança. Haveria de vir da esperança, uma amazona que não conseguimos enxergar,
mas traz em seu alforje, uma ideia chamada paz. Algo que permeia, precipita e
incendeia. E quando atinge a consciência, percebe-se que a vida está lá fora. Que
a representação trintenária nunca foi espetáculo, o teatro estava abandonado,
pelo insustentável roteiro do desamor. Somos humanos. E merecemos paz, uma vida melhor ao invés de sobrevivência cênica. Então, deveria haver outro mundo, melhor que
aquele. As asas, o rompimento, e o voo de coração. A transformação, embora progressiva, já demonstra a transposição para um
novo espaço, também nesse ponto do texto. De coadjuvante das conveniências alheias,
passou a protagonista da sua própria felicidade, com pleonasmo merecido. Sim,
ele renasceu. Aquela tal sobrevida, sofreu aborto espontâneo, natural, coisa do
destino. Um novo tempo. E por respeito à criação, agora é aguardar uma
determinada semente brotar e voltar-se para ele, virá que eu vi. Livre e nu, corre hoje pelo país com
argumentos de sobra, para quem quiser ouvi-lo. Graças à conspiração – conjunção
de fatores energéticos que orientam uma emancipação – ele segue ao lado de
alguém semelhante. Sim, houve anunciação, e legítima. Sem importar se ontem a bruma era leve,
eles hoje brincam felizes no mesmo quintal. Alaranjado é o sol, verde o limão, azul o céu, vermelho o camarão, todas as cores no tempo que virou uma eterna estação. A libertação é triunfante, fundamentalmente
pela reciprocidade da companhia. Nas belas águas da Paraíba, ele a presenteia
com o belo e lírico epíteto: “Companheira de Alta Luz”.
Companheira de Alta Luz - Zé Ramalho
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