As constantes
dores de cabeça anunciam uma condição não favorável no hall da meia-idade.
Um estado orgânico de coisas, sobrenadante no meio agar-agar da realidade, por
vezes precipitando nas sequelas da solidão. Ele não se preocupou com a
descoloração dos cabelos, nem com a perda da virgindade da filha ou com a manha
do imposto de renda. O joelho doeu, o braço do violão empenou, e a TV foi
transferida para a cova da despensa. O mundo ia ficando menos mundo com o
passar do tempo, aumentando o espaço interior, o qual aparecia mais vazio a
cada réveillon, aniversário e carnaval. Seus dias se tornaram mais obscuros,
não havia tanta luz onde pudesse escrever o depositário de suas sensações, isto
é, a falta delas. E é no breu que a seleção natural acontece. Enquanto alguns
seres saem à caça de alimento, outros se recolhem à sua escassez, generalizada.
Tudo isso, no fundo, é muito animalesco. Inventamos paixões para nos afastarmos
dessa roupagem bestial que cobre nosso esqueleto, tentando nos posicionar num zênite
imaginário, com toda e qualquer racionalidade suficiente para distinguir-nos da
porção bichana que jamais sairá de nós. Não adianta, a selva é eterna. Chamamos
de cidade a selva onde permanecemos, vestidos e iludidos. O eufemismo do local
não afasta o caráter selvagem das pessoas em trânsito atrás dos seus
interesses, que nada mais são do que os próprios instintos, também disfarçados, remodelados à classificação darwiniana.
Até que um dia chega o punhal das horas, e passa rente à pele do presente,
deixando um rastro frio e excitante, à medida que desce em direção ao solo
líquido ou pantanoso das relações. Tudo é igual. O que ainda não é, um dia
será. Nos parques, nas praças, nas estações, há gente fingindo que a vida é
bela. São os populares atores sociais, indivíduos que tentam sair de si mesmos
para compartilhar a sobrevida com outros indivíduos. Tosca tentativa de negar a sua essência individual, sobrevindo carências, dependências e tais. Traga-me outras pessoas, que eu lhe dou o
melhor de mim. O pior, eu deixo para depois, quando eu estiver passeando
próximo ao cemitério das novidades. Ele sabe onde fica, talvez até o dia aproximado em que
passará por lá. Por enquanto, a dipirona se associa com a cafeína, para mascarar
a algia de mais um deslocado ente – cacófato intencional – quase andrógino de tanta
não adaptação, que já sobreviveu muito mais do que merecia...
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