terça-feira, 7 de março de 2017

Apenas Outro Velho




As constantes dores de cabeça anunciam uma condição não favorável no hall da meia-idade. Um estado orgânico de coisas, sobrenadante no meio agar-agar da realidade, por vezes precipitando nas sequelas da solidão. Ele não se preocupou com a descoloração dos cabelos, nem com a perda da virgindade da filha ou com a manha do imposto de renda. O joelho doeu, o braço do violão empenou, e a TV foi transferida para a cova da despensa. O mundo ia ficando menos mundo com o passar do tempo, aumentando o espaço interior, o qual aparecia mais vazio a cada réveillon, aniversário e carnaval. Seus dias se tornaram mais obscuros, não havia tanta luz onde pudesse escrever o depositário de suas sensações, isto é, a falta delas. E é no breu que a seleção natural acontece. Enquanto alguns seres saem à caça de alimento, outros se recolhem à sua escassez, generalizada. Tudo isso, no fundo, é muito animalesco. Inventamos paixões para nos afastarmos dessa roupagem bestial que cobre nosso esqueleto, tentando nos posicionar num zênite imaginário, com toda e qualquer racionalidade suficiente para distinguir-nos da porção bichana que jamais sairá de nós. Não adianta, a selva é eterna. Chamamos de cidade a selva onde permanecemos, vestidos e iludidos. O eufemismo do local não afasta o caráter selvagem das pessoas em trânsito atrás dos seus interesses, que nada mais são do que os próprios instintos, também disfarçados, remodelados à classificação darwiniana. Até que um dia chega o punhal das horas, e passa rente à pele do presente, deixando um rastro frio e excitante, à medida que desce em direção ao solo líquido ou pantanoso das relações. Tudo é igual. O que ainda não é, um dia será. Nos parques, nas praças, nas estações, há gente fingindo que a vida é bela. São os populares atores sociais, indivíduos que tentam sair de si mesmos para compartilhar a sobrevida com outros indivíduos. Tosca tentativa de negar a sua essência individual, sobrevindo carências, dependências e tais. Traga-me outras pessoas, que eu lhe dou o melhor de mim. O pior, eu deixo para depois, quando eu estiver passeando próximo ao cemitério das novidades. Ele sabe onde fica, talvez até o dia aproximado em que passará por lá. Por enquanto, a dipirona se associa com a cafeína, para mascarar a algia de mais um deslocado ente – cacófato intencional – quase andrógino de tanta não adaptação, que já sobreviveu muito mais do que merecia... 






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