Um
congresso qualquer, outra profissão liberal, não para todos, é claro.
Entreolharam-se nos bancos da rodoviária capital, ambos em trânsito, vindos do
interior. Ela mais moça, recém-formada, instalada sem concurso numa pequena
prefeitura, buscava currículo. Ele já rodado, casado e pai de dois filhos, inclusive
um deles era uns quatro anos mais novo que a moça, procurava atualização. Na
cidade de onde partiram para a pauliceia, os olhares sofrem morte peri-natal. Ônibus
um tanto vazio. Sentaram-se em diagonal, lá no fundo, ela na fileira de trás
dele, do lado do motorista. Pelo vão entre os bancos, ele podia vê-la,
parcialmente. Lembrou-se de Jéssica, sua esposa, naquela vez em que, quando
noivos, ele se sentiu como Bentinho. Uma vez Bentinho, sempre Bentinho; então,
olhar para alguém, realmente não tira pedaços, concluíra desde que a cabeça
começou a pesar. Partiram, rumo norte do país. A pista dupla da estrada
garantia certo equilíbrio à visão, descontando-se os buracos e os
comprometidos amortecedores do auto. Lá pelas tantas, reclinou sua poltrona ao
máximo. Virou-se para a esquerda e teve o avistamento: ela, deitada com as
pernas para o corredor, coberta com uma manta que lhe tapava metade do rosto.
Estaria ela dormindo? Ou poderia estar espiando. Não havia como não chamar a
atenção, os lábios carnudos daquela moça, salientes sob a calça legging, a tal
pata de camelo que tanto falam. Na posição quase fetal dela, a imaginação pré-senil
dele corria solta, começou a se excitar. A ingênua passageira posicionada de joelhos para
o encosto e a retaguarda voltada para ele. Ele virou de lado, para o caso de
alguém vir lá da frente para o banheiro e pegá-lo com volume extra sob a calça
jeans. É certo que a justeza daquela calça não combinava bem com a silhueta
dela, já que tinha um sobrepeso considerável. Mas o dito popular diz que na
horizontal e na piscina, todo mundo é igual. Permaneceu ali, curtindo sua
fantasia gratuita, sem pecado nem juízo, apenas com a dúvida de que se ela
poderia estar com um canto de olho em sua direção. Os embalos de sexta à tarde não
se tornaram cult movie, mas o fizeram cochilar alguns minutos, naquela posição.
Quando despertou, a surpresa: ela estava com os dedos de uma mão, tocando-se
sobre a calça. Como se não tivesse tecido sobre a vulva, ela deslizava-os pelos
grandes lábios, agora maiores pelo sangue estimulado. Lentamente, suas unhas
vermelhas faziam parecer uma nudez total daquele órgão pulsante. O espanto
diante da cena, o fez pesquisar os outros passageiros, todos dormindo. Voltou à
sua casamata aberta, mirando o inimigo, ou a amiga, enfim, a garota generosa e
destemida que se masturbava languidamente como que em público, tipo “tô nem aí”.
Os olhos cerrados dela continuavam lhe incomodando. Mas quando ela começou a
mordiscar os lábios da boca, ele não aguentou e abriu o zíper. Dizem os
sexólogos que a masturbação mútua é a forma de sexo mais saudável, não
engravida e nem contamina. Haja determinação para ficar só nela. Pois bem,
nosso protagonista, já de membro para fora, em sua luta visual entre a garota e
o corredor. O calor dos corpos obviamente aumentou, e ela resolveu tirar a sua
legg até um pouco abaixo da bunda para poder se tocar diretamente. Depilada,
resolveu arriscar mais e introduziu um dedo da mão esquerda em seu ânus, mais
vagarosamente ainda. Roberto já não se aguentava, o mistério aumentava a
galope, como que ela não cuidava o que estava fazendo? E se passasse alguém?
Mas ele não reparou que a posição da manta, escondia a visão da sua vagina para
quem olhasse de cima, só ele tinha esse prazer. Ângela com dois dedos dentro de
si pela frente, e um por trás, agora em ritmo sincronizado, vai e vem. A blusa
dele já melada de tanto mascarar seu ato libidinoso, lascivo, delirante. Quando
de repente, ela abre totalmente os olhos dando de cara com ele. Engoliu em
seco, guardou o pau e fechou os olhos de imediato. Mas nada ouviu e em menos de
um minuto, fitou-a novamente: ela estava sorrindo no canto da boca. E olhando-o
ao mesmo tempo. Então ele perdeu toda a compostura, o medo e a vergonha e se
entregou aos caprichos da pequena tarada. Tentou mostrar-lhe o pênis, ela abriu
a boca e passou a língua pelos lábios. Fez menção em levantar-se, mas ela fez o
sinal de pare. Também, por mímica, mandou que ele continuasse a se masturbar. O
ritmo dos dois aumentou freneticamente, separados por dois bancos, unidos por
seus delírios. Aí ela olhou bem fundo nos olhos, trancou a face e gozou sem
fronteiras, escorrendo um líquido gotejante no chão. Quando ele estava quase
lá, o ônibus diminuiu a velocidade, entrou para o acostamento, era a parada
para o almoço. Ele recompôs-se, e se sentou em posição franciscana. Já na
plataforma, o motorista grita que eles têm meia hora para a refeição. Ela passa
por ele, nem olha, sequer o cumprimenta, e vai ao banheiro da parada. Ele permaneceu no
ônibus, quem sabe para um retorno físico, já que todos haviam descido. Mas ela
foi a última a subir, indo direto para o seu lugar e virou de costas para ele,
como se nada tivesse ocorrido. O bobão, ao reinicio da viagem, teve ciência de
que caiu no conto da dominação da carne, onde um faz de si mesmo, senhorio, e do outro, escravidão. Objeto,
de consumo, descartável, obsoleto. E pensar que há tanta gente unida assim
desse jeito. Pelo menos, eles foram cada um para um lado, nem se viram no
congresso. Ele procurou, mas nada encontrou. Ela sim, encontrou o que queria,
submeter algum estranho aos seus deleitosos caprichos assexuais. Tão déspota, que nem soubemos seu nome. Roberto, voltaria para casa com uma não experiência...estranho isso. Coisa deveras animalesca para merecer algumas linhas de pseudoficção. Serão as fantasias, humanas? Ou serão os deuses, astronautas? Qual o limite das pessoas, qual o fim do céu? Vagamos pelas
estradas, pelos ares e pelos mares, sem saber muito sobre o sal da
Terra. Vida doce, é outra coisa. A felicidade, não comporta extremos, ela tem
sabor agridoce...
Diametralmente oposta a qualquer ordenamento jurídico, DESUNIÃO ESTÁVEL é uma imaginária relação multiafetiva ousada entre a Poesia e a Música. Como esses valores estão em declínio nos dias pós-modernos, decidi promover impulsos de acasalamento sentimental entre ambas, com a substancialidade e a emoção que brota dessas duas formas de expressividade dos sujeitos na sociedade civil, ou seja, nascentes da natureza humana. Aos amantes, as cortesias da Casa.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
A Cor da História
Eu
vi sangue. Vi sangue escorrendo pela fresta da tumba. Um vermelho escarlate
sugeria a visão cortante de um sol a pino, escaldante para toda retina. Ali,
uma história, morta. Mas aonde teria se passado a tal história? Espalhada eternamente
em alguns pontos não turísticos pela cidade, ou resumida a sete palmos sob
aquele lote incógnito e macabro? Sei que ela pode sangrar, percebi isso através
de vários sentidos. Ninguém escreve a sua própria história, ou desenha, sequer
rabisca. Mas pode pintá-la, como a cor de uma casa, dos quadros, dos
automóveis. As pessoas se locomovem pelo mundo, feito traço de arquiteto em
plantas de cidades e avenidas, casas e quartos. Vilarejos, ruas, apartamentos,
quitinetes também. Vidas inicialmente sem cor, aguardam alguma tinta que lhes
diferencie ao menos entre si. Talvez nosso caminhar seja justamente este,
apanhar coisas pela frente para transformá-las em algo colorido. Porque as cores são belas, elas desafiam o simples globo ocular e querem ir fundo, até impressionar a
alma. Entram pela percepção, caem como que na corrente sanguínea para então espalharem-se
pelo organismo. Quando a história de uma vida inteira passa descolorida, só
restou o sangue para contar, isto é, ratificar o silêncio dos vazios, das indiferenças e das omissões. Enquanto as cores viram memória e saudade, a
pequena poça resseca ao calor que nunca sentiu, manchando de coisa alguma o cimento e
os azulejos, sinal de que realmente nada havia a precipitar, gostar ou amar. Não
havia flores sobre o pequeno mausoléu. A chuva lavou a mancha. Comorientes, ele
e sua própria história. Um mês depois, a tumba continuou a inexistir...
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