"FLORES ASTRAIS"
SECOS & MOLHADOS
Alta
madrugada. As armadeiras bailam ao som do cântico dos morcegos rasantes. Das
poderosas loxosceles e das corais ectópicas, dos escorpiões forasteiros, passando pelos uivos solitários dos chacais, até os
desconhecidos guturais pássaros longínquos, dentre tantos outros, inaugura-se
uma sinfonia em sustenido, cortando o breu dos espectadores ignorantes à
natureza. Exótica fauna de seres rastejantes e voadores, recebem eles a visita
do meu eu intrínseco, exteriorizado em busca de um luar qualquer. Rotina que
permanece, já que o sol é ausente à luz dos meus dias. Um mundo soturno, onde
as paralelas se encontram, para todos aqueles que sentem a vida somente à
noite. Aqui é o nosso reino, aqui é o meu país. E que o hidrogênio astro pai se desfaça, transformado em pepitas de fogo, dizimadas pelo atrito do choque atmosférico, porque o escuro nos basta.
Nesta abissal de avessos, serve-nos o feixe de relâmpagos, a lembrar daquilo que um
dia foi bom. Todos nós, os notívagos, fomos por instinto preparados para o
fracasso do planeta diuturno. Bebemos orvalho, alimentamo-nos de nossos próprios
restos e nosso perfume vem da orquídea negra, a espécie de flor que domina o
território das almas sem expectativa alguma de que a vida aconteça em periélio.
Já que o sol é infanticida, consideramo-nos filhos adotados pela lua. Damos
parabéns às nuvens, símbolo acinzentado do equilíbrio entre a cor de nossa mãe
e a dos nossos corações. A única diferença, é que ela não mostra o seu lado
escuro. Nós, escrotos animais arrolados em escala zoológica única, temos orgulho de pertencer à sua linhagem. Mortuus mundi, essa é a nossa casa.